Cadê a doença que estava aqui?

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Um dos pilares mais importantes para a prevenção de uma doença, seja ela transmissível ou não transmissível, é a educação em saúde. Segundo a nossa Constituição Federal “a saúde é um direito de todos e dever do Estado”, entretanto devemos incorporar que o dever do Estado não exclui o nosso dever perante a nossa saúde. Ou seja, somos agentes da nossa própria saúde. Neste sentido, é fundamental o estabelecimento de estratégias para conscientização da população quanto à sua participação no processo de prevenção de doenças. 

A longo prazo, o acesso à informação e a construção do conhecimento podem ser considerados pilares fundamentais para a conscientização supracitada. Veja que existe um caminho a ser percorrido para o estabelecimento da tão estimada conscientização. Programas como o “Saúde na Escola” e a “Academia da Saúde” são exemplos exitosos de como contribuir para a promoção, prevenção e atenção à saúde, com a formação integral dos estudantes, objetivando o enfrentamento das vulnerabilidades. O problema é que estes não são programas ainda capilarizados. Em Brasília/DF, capital do país, temos somente uma Academia da Saúde. Uma!

A população brasileira, de uma maneira geral, é imediatista e portanto, gosta de investir em estratégias de curto prazo. Deste modo, uma das estratégias utilizadas para o fortalecimento da educação em saúde é o uso dos meios de comunicação em massa, como rádio, jornal e televisão. Estes são os meios historicamente mais utilizados. E eles funcionam, mas sempre a curto prazo. Exemplificando, se puxarmos na memória, em 2016 houve uma sensibilização/comoção muito grande quando levantou-se a hipótese de que os casos de microcefalia estavam relacionados a infecção pelo Zika vírus durante a gestação. Durante mais de um mês, diariamente, as investigações dos casos, as orientações às gestantes e os desfechos relacionados à evolução dos pacientes foram televisionados. Todos os dias passavam reportagens no Jornal Nacional.

Imersos nesta triste situação, a população passou a ter mais cuidado com água parada, para evitar focos de mosquitos da dengue, além de ter sido estabelecida uma atenção especial a saúde das gestantes. Ademais, as medidas de prevenção individual, como o uso de repelentes e roupas de manga comprida (calças e blusas) foram adotadas pela população, sendo que estas eram medidas que há muito tempo eram preconizadas pela Coordenação Nacional de Controle das Doenças Transmitidas pelo Aedes.

Nesta mesma temática, conseguimos atingir a cobertura vacinal de febre amarela em 2017 e 2018 devido ao surto televisionado. Em áreas com recomendação de vacinação, a cobertura foi atingida, assim como em áreas sem recomendação, as pessoas queriam vacinar. Atualmente, temos a mesma situação com relação ao sarampo. Este ano perdemos o certificado de eliminação do sarampo, devido ao surto ocorrido. Mais uma vez, tínhamos bolsões de suscetibilidade devido à baixa cobertura vacinal. A adesão das pessoas aumentou, depois que houve o televisionamento dos casos e as propagandas das campanhas de vacinação, conhecidas como o dia “D”. Em ambas as situações, se tivéssemos trabalhado o acesso à informação e o desencadeamento de atividades mais continuadas teríamos atingido a cobertura vacinal no período adequado e assim, a chance de termos um surto seria bem menor.  

Mas o que quero chamar atenção é que esses são meios importantes que expressam um impacto considerável, porém sozinhos não são tão efetivos. Não são efetivos porque não são continuados. Quem hoje sabe quantos casos de microcefalia relacionados a infecção pelo Zika vírus temos? Qual foi a última vez que se falou de microcefalia na televisão? Será que precisamos realmente continuar atentos a esta doença? Ela ainda existe? E febre amarela? E a SIDA? E sífilis? E tantas outras doenças infecciosas?

Durante a década de 80, muitas pessoas vieram a óbito devido a infecção pelo HIV. Campanhas de conscientização e prevenção foram realizadas para reduzir a incidência da doença. Como era uma doença extremamente frequente e com elevada letalidade, o medo de contrair esta infecção era real. Atrelado ao medo temos as mudanças, e assim, a adesão às medidas de prevenção. Com maior adesão às estas medidas temos a redução da incidência desta doença. E isso conseguimos perceber analisando a sua série histórica. Entretanto, apesar de tendermos para o decréscimo da infecção pelo HIV ao longo dos anos, observa-se um aumento de casos em faixas etárias mais jovens, principalmente. Entre os homens observou-se um aumento da taxa de detecção, considerando as faixas de 15 a 19 anos, 20 a 24 anos e 25 e 29 anos principalmente.

Vale ressaltar que no ano de 2017, tivemos a maior taxa de detecção dos últimos anos, de 50,9 casos a cada 100.000 habitantes na faixa etária de 25 a 29 anos. Quando comparados os anos 2007 e 2017, tivemos um incremento de 84% considerando a faixa etária de 15 a 19 anos e 61% considerando a faixa de 20 a 29 anos, no sexo masculino.

Por que será que isto acontece? Por que mesmo com redução de casos de maneira geral temos aumento em algumas faixas etárias? E mais, por que este aumento está relacionado às populações mais jovens? Onde este grupo poderia estar recebendo informações de maneira continuada? Hoje não se fala tanto das infecções sexualmente transmissíveis (IST) como outrora. Primeiro porque a incidência dos casos reduziu, mas não somente por isso. Entramos em uma era de retrocessos relacionados a diversos aspectos, mas principalmente à definição do que é considerado próprio ou impróprio a ser discutido.

Durante os últimos anos foi intensamente debatido a necessidade e permanência de temas relacionados à educação sexual nas escolas. Alguns acreditam que a abordagem desses temas pode aflorar a sexualidade nas crianças antes do tempo considerado ideal. Então se este tema não pode ser abordado nas escolas, em que outro lugar poderia ser abordado? Em casa, somente? E se na família não tivermos uma pessoa com o conhecimento técnico necessário e ou com disponibilidade emocional para conscientizar aquele adolescente? 

No exemplo da SIDA, atrelado a falta de informação sobre o perfil epidemiológico da doença, há ainda a má interpretação referente a evolução científica para diagnóstico mais acurado e tratamento adequado dos casos. Como atualmente o tratamento leva ao aumento da longevidade, permitindo que a pessoa viva com qualidade, muitos dos jovens acham que não tem problema contrair esta infecção. “Ninguém mais morre disso”. Esse pensamento reduz a adesão das medidas de prevenção, o que justifica o aumento dos casos em faixas etárias específicas.

Veja que tudo o que estamos discutindo perpassa pela falha na educação em saúde e pelo fortalecimento somente de medidas a curto prazo. Em um grupo que faço parte, me instigaram a abordar sobre as medidas voltadas para a comunidade lésbica objetivando a prevenção de ISTs. Realmente não escutamos, de maneira frequente, nada relacionada a estas medidas. Será que não existe risco de transmissão entre mulheres? Por que não falamos sobre isso? Esse vai ser o assunto abordado na próxima coluna, em continuação a esta. Aguardem!

Rafaella Albuquerque

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