“Copo Vazio” e o ar rarefeito das relações.

copo vazio

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Quando vi, pela primeira vez, uma notícia sobre o lançamento de “Copo Vazio”, livro de estreia da psiquiatra Natalia Timerman no gênero romance pela Editora Todavia, pensei instantaneamente na música homônima de Chico Buarque. Seu marcante refrão: É sempre bom lembrar que um copo vazio está cheio de ar” ,me embevece com a antítese da concretude de se fazer presente e a abstração do não se fazer visível.

 O que a olho nu se apresenta como vazio, desabitado, pode esconder um espaço repleto de conflitos e sentimentos perenes alternantes entre o banho-maria e o transbordamento (que uma hora será inevitável).

O raro efeito de ver no tudo o que o nada esconde, é um exercício íntimo e doloroso que nos permite ver o eu no outro, o eu sem o outro e, por fim, o eu sem ele mesmo.

 O debute da escritora paulista no romance ficcional tem como ponto de partida um abandono, o fim unilateral que deixa traumas e cicatrizes na parte mais afetada do rompimento: quem fica.

Numa dança temporal entre antes-agora-depois ela narra a história de Mirela uma jovem e bem-sucedida arquiteta que precisa lidar-conviver-entender-asfixiar-esquecer a dor de ser abandonada pelo namorado (Pedro) sem explicação e aviso prévio, na angústia da condição hipotética da volta e no desejo instintivo da vingança.

Natália narra com fluidez e densidade um tema universal pelo ponto de vista de quem ficou. O abandono masculino e feminino tem suas peculiaridades, mas a dor de ser deixado/deixada para trás é universal.

“Um dia já fomos Mirela e já fomos Pedro”.

Ninguém está imune às vítimas algozes que preenchem a literatura e a vida real.  

As relações amorosas se alicerçam no que esperamos e no que o outro é. E a forma como Mirela encara o desaparecimento repentino do namorado nos faz pensar como, de fato, não conhecemos ninguém por inteiro, a começar por nós mesmos. O outro sempre será um mistério a ser desvendado na incerteza de que isso um dia realmente aconteça. O que projetamos na relação pode nos cegar para os sinais que sempre estiveram ali.

O cheio nem sempre significa completo, e o vazio, muitas vezes, está inundado de coisas que ninguém quer ser o primeiro a enxergar.

 Semana passada, assisti “Lemebel”, documentário que conta a história do artista chileno Pedro Lemebel, e uma frase dita por ele reverbera em mim até hoje:

“... O amor que dizem ser prometido pela vida”.

Sim, crescemos com a certeza da existência de um amor à nossa espera. Um dia, a vida ei de nos apresentá-lo. Munidos dessa verdade absoluta vivemos na expectativa do outro, no vazio da certeza e assumimos o papel de Victor Frankenstein remendando o que consideramos ideal, necessário, perfeito.

Não domamos a expectativa que preenche o copo alheio, mas somos capazes de não alimentar aquilo que a outra pessoa projeta na gente. Se relacionar pressupõe ser responsável pelo que sentimos e também pelo que proporcionamos à outra parte sentir.

A responsabilidade emocional é indispensável na construção de uma relação amorosa saudável. “Estar” e “deixar” são ações que precisam ser fincadas na honestidade da pessoa que escolhe ficar ou partir.

Ler “Copo Vazio” é como amar. Não queremos nos envolver emocionalmente, tentamos manter um distanciamento seguro para evitar encontrar fantasmas do passado e possíveis reveses no futuro, mas quando nos damos conta, já estamos dentro, completamente imersos no vinho-dor, entorpecido com cada ar que o outro respira, com cada pensamento que o outro sufoca, com cada vazio que o outro deixa como resposta quando resolve sumir.

Antes de eu começar a leitura (concluída em poucos dias), minha mãe havia lido o texto da orelha. Quando ela foi iniciar a leitura me perguntou onde estava o livro e eu disse: “qual, aquele da mulher que foi abandonada?”. Ela respondeu:  “Mais uma”.

 O abandono não é o primeiro, não será o único e é certo como a morte.

(Ela também já foi)

Felipe Ferreira

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