Dica de leitura: 10% Humano
Nesse momento, em que todos nós enfrentamos dificuldades, mas que algumas pessoas estão dispondo de mais tempo livre, a leitura pode ser uma ótima forma de atravessar esse período de maneira mais interessante e proveitosa.
O livro: 10% Humano, da bióloga Alanna Collen, atende aos dois critérios. Mesmo falando sobre bactérias, a autora consegue prender a atenção de leigos, e nem tão leigos, para assuntos de Biologia que afetam diretamente nossa saúde. Tentarei plantar aqui a curiosidade para a leitura desse livro, sem revelar totalmente os detalhes mais fascinantes.
Tudo começa com uma experiência pessoal da autora, que contrai uma bactéria, transmitida por carrapatos, como resultado de uma viagem à Malásia onde capturava morcegos. As consequências sentidas no próprio corpo, após um longo tratamento com antibióticos, foram o estopim para que ela se debruçasse sobre a relação entre a destruição de bactérias “boas”, que trazemos em nossa microbiota intestinal, e temas como alergias, doenças autoimunes, obesidade, e até problemas mentais, como depressão e autismo.
Uma das histórias muito interessantes contadas no livro, já que estamos todos muito atentos à importância da lavagem das mãos, foi a observação do médico Ignaz Semmelwis em 1847 (antes de Robert Koch e Louis Pasteur – pais da microbiologia) sobre a maior mortalidade das mulheres que iam aos hospitais para terem seus filhos, em relação às que optavam por parteiras. Ele ousou sugerir que os médicos, que alternavam seus afazeres entre autópsias e realização dos partos, lavassem as mãos com hipoclorito de cálcio antes de atenderem as mulheres. Embora, após um mês da adoção dessa medida as mortes tenham diminuído, Semmelweis foi ridicularizado pelos seus colegas e teve um fim bastante trágico. Uma dos últimos escritos de Semmelweis foi:
"Quando revejo o passado, só posso dissipar a tristeza que me invade imaginando o futuro feliz em que a infecção será banida... A convicção de que esse momento deve chegar inevitavelmente mais cedo ou mais tarde alegrará o momento de minha morte".
Entretanto, o mote central do livro não são as bactérias patogênicas, e sim as bactérias “boas”, isto é, aquelas que além de não causarem doenças, cada vez mais têm se mostrado, pelos estudos científicos, capazes de nos fazer bem. Tão bem, que na sua ausência diversas patologias ou comportamentos alterados podem se manifestar.
A autora levanta questões como o quanto de nossa “personalidade” e maneira de ser deve-se a fatores genéticos e/ou ambientais, como acreditamos, ou se nossa microbiota pode também ser outra fonte de alteração comportamental. Essa especulação vem de diferentes estudos com animais. Há, por exemplo, relatos de estudos mostrando que, em uma situação de perigo, camundongos livres de bactérias intestinais apresentam mais alto grau de estresse quando comparados a camundongos com uma microbiota normal; e que camundongos sem a microbiota, quando colocados em labirintos não conseguem encontrar o caminho, por deficiência em sua memória operacional.
E quanto à obesidade, que vem se tornando um problema em nível mundial?
Novamente, talvez não sejam apenas fatores genéticos, metabolismo lento ou sedentarismo as únicas causas. Nem tampouco apenas a “contagem absoluta de calorias ingeridas”, mas um processo de seleção de alguns tipos de bactérias devido à alimentação. Nesse caso, um transplante de bactérias entre indivíduos poderia auxiliar a perda de peso? Por estudos citados em experimentos com camundongos, parece que é uma possibilidade bastante plausível - além, é claro, de mudanças alimentares para manter essa nova flora intestinal.
Um dos relatos mais impressionantes do livro é o de uma mãe que, obstinadamente, quer entender a razão do desenvolvimento do autismo em seu filho, que até os 15 meses apresentava desenvolvimento normal. Sua única pista era uma infecção de ouvido que o garoto apresentou com essa idade, e que o obrigou a ingerir uma altíssima carga de antibióticos. Como uma exímia detetive, essa mãe, que não era da área médica, levantou uma hipótese que, posteriormente, foi investigada profundamente e vem abrindo frentes para o melhor entendimento do autismo.
Entender um pouco mais sobre a fisiologia humana e como se estabelece a comunicação entre intestino, cérebro e sistema imune é um dos prazeres que o livro nos apresenta de maneira suave.
Enfim, esses são apenas alguns pontos que tentei ressaltar para estimular sua curiosidade. Entretanto, deixo registrado que, apesar do meu encantamento tanto com a forma de escrita quanto com o teor da mesma, ouvi comentários de pessoas que acharam que a autora exagera no poder exercido pela microbiota em nossas vidas.
Por isso é que vale à pena se arriscar e construir sua própria opinião. Boa leitura!
Abraços,
Rafaella Albuquerque e Silva
Instagram @rafaas28