E quando a história nos convocar?
Existe uma máxima colonial e imperialista que diz “dividir para conquistar” e foi isso que vi nas últimas semanas em rodas de discussões virtuais sobre temas relacionados à racismo, violências racistas ou, ainda, sobre dilema de ir ou não protestar. Chamo de dilema porque o cenário de pandemia, opressão e desgoverno que vivemos, faz com que coloquemos na balança qual desgraça é menor: se contaminar protestando e ainda contaminar os seus ou não se expor enquanto vê com olhos de descrença o brasil dando passos largos rumo ao nada.
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Numa dessas polêmicas de internet, o rapper Emicida postou um vídeo antigo do líder afro-americano Kwame Ture (Stokely Carmichael) sobre Mobilização e Organização. Confesso que foi eu quem mandei o vídeo pro músico (hehehe), mas é porque toda vez que assisto a essa fala a minha cabeça explode e mergulho criticamente no cenário que vivemos. No vídeo, Turé chama atenção da necessidade de nos mobilizar organizados, porque “mobilização sem organização, vira evento”.
Essa frase me faz lembrar imediatamente dos protestos estudantis e universitários que participei na juventude onde mais parecia uma festa do que um ato político - e talvez eu também não tivesse maturidade política e lidava com o fato de forma gandaiosa igual a todos os presentes. Claro que há organizações sérias que se mobilizam organizadas e não são delas, no caso, que o líder pan-africanista - e consequentemente eu - estava falando. O que ele quis dizer é sobre o que vem depois que o protesto acaba.
Qual é o próximo passo?
Para onde canalizamos toda aquela força mobilizada?
O que está organizado para receber todas aquelas pessoas mobilizadas na causa?
Como não deixar que a mobilização vire #hastags ou se dilua nas virtualidades da internet?
Até que ponto a mobilização é utilizada pelo sistema para nos desmobilizar?
A mobilização torna-se frágil porque costumeiramente gira em torno de questões, pontos únicos de destaque - apesar de repetitivos e interconectados -, sem que, entretanto, se aborde o sistema que agencia essas questões. Organização é sobre combater o Sistema e não sobre questões do Sistema. Por isso que eu costumo focar as minhas críticas ao modus operandi ético e estético do Sistema Ocidental, principalmente porque esse que se estabelece de forma muito mal diagramada nas relações sociais, políticas, econômicas e culturais brasileiras.
Inquieta, então, com as ventanias internas do meu Ser, suscitadas pelo potente discurso e me perguntando como também posso me mobilizar ainda mais organizadamente, me deparo com o texto “Plano de Ação” de Hamilton Borges Onire respeitado militante negro da Bahia, liderança da Organização Política, Pan-Africanista, Quilombista e Comunitária Reaja ou Será Morta, Reaja ou Será Morto, que desde 2006 realiza a Marcha contra o Genocídio do Povo Negro para onde convergem pessoas que acreditam que o Estado de Maafa (desgraça coletiva negra) está materializado para a população negra no brasil em morte física, mental, espiritual, política, econômica e cultural.
No texto nos são apresentados de forma objetiva 11 pontos para “quem quer sair da inércia, para quem pretende se proteger dos inimigos do povo, para quem acredita na nossa capacidade de construção coletiva”. Eu não sei se comecei a leitura do artigo sendo essa pessoa, mas com certeza saí dele instigada a Ser.
Utilizando o valor afro-civilizatório de senioridade - antiguidade é posto! -, bebo em Turé e Hamilton, os ensinamentos que podem sulear (não norteio nada!) de forma prática a minha ação quando “a história me convocar”. Me organizar em todos os sentidos é meta. Construir micropoliticamente é caminho. Lembrando que “nosso objetivo não é ensinar as pessoas a serem conscientes, mas torná-las conscientes de seu comportamento inconsciente, porque instintivamente, buscam a liberdade”.
E se você é branco antirracista e está inspirado por esse texto, também ajude doando tempo, dinheiro, recursos para a construção política e antigenocida Negra, feita por pessoas negras sérias que se mobilizam organizadamente.
Vou deixar aqui o material de duas delas, pra vocês conhecerem.
Aza Njeri
Instagram @azanjeri_
Escola Quilombista Dandara dos Palmares, organização autônoma do Complexo do Alemão gerida por moradores, está com um vaquinha aberta para socorrer famílias da comunidade com ações voltadas para a distribuição de cestas básicas, kits de higiene, máscaras e galões de água.
Contribua!!!
Comitê de solidariedade popular Covid-19/Cachoeira-BA, que está organizado recebendo doações (dinheiro, ítens de higiente e cesta básica) e construindo uma horta comunitária.
Contribua!!!