Em busca de olhares e aplausos

“As coisas que a gente fala saem da boca da gente e vão voando, voando, correndo sempre para frente. Entrando pelos ouvidos de quem estiver presente (Rocha, 2012, p. 5)

Ouvi, por diversas vezes, durante a minha infância e adolescência que quem sabia das coisas era sempre o adulto. De fato, pessoas que tem mais anos de vida, em tese, passaram por mais experiências e, portanto, são mais sábias. Coloquei “em tese” porque, nesse tipo de equação,  2 + 2 pode não ser 4.

Todos nós conhecemos alguém, inclusive nós mesmos, que, por algum ou vários momentos, agiu de forma não correspondente ao que se espera da sua idade. E por que isso acontece? Porque existem gatilhos que nos levam a memórias anteriores pouco ou nada ressignificadas que trazem uma enchente de emoções nada controláveis, sendo o desfecho clichê: o desequilíbrio. O seu oposto (o equilíbrio),  embora passe a ideia de estabilidade é, na verdade, um movimento constante. Não existe equilíbrio estático. Estamos constantemente nos desequilibrando e equilibrando por situações externas ou internas. Muitos desses processos são menores e não afetam a nossa vida cotidiana.

Feita algumas divagações necessárias, vamos voltar à frase que iniciou o texto: “ouvi, por diversas vezes, durante a minha infância e adolescência que quem sabia das coisas sempre era o adulto”. Eu acreditei tanto nisso que essa crença foi minando minha confiança. Assim fui entregando minhas decisões (meus “sins”, meus “nãos”) ao julgamento do outro. Se havia sorrisos, estava ótimo e eu era ótima. Se os rostos se tornavam sérios, ficava procurando o que fiz de errado. Nessa lógica instituída por mim, o problema estava comigo. O meio termo foi se tornando algo bem distante (aquele tal do equilíbrio) e meus olhos passaram a procurar a aceitação ou a rejeição no olhar do outro.

Ao encontrar aceitação , o sentimento era de estar em um palco sendo aplaudida. O contrário causava sofrimento demais, pois, na minha cabeça, estava recebendo vaias. O sentimento de incapacidade dominava e era acompanhado de uma mistura de tristeza com raiva. A tristeza vinha da decepção comigo por ter supostamente errado e a raiva era uma consequência da tristeza. E tudo isso tinha sua gênese no medo. Medo da rejeição.

O tom e o ritmo da minha vida passaram, por um bom tempo, a ser marcado, prioritariamente, de acordo com o que interpretava da reação alheia. Sim, porque até poderia ser que a pessoa nem me desaprovasse (e se desaprovasse, qual o grande problema né?), mas bastava a minha percepção fazer essa interpretação que aparecia toda sequência de sentimentos descritas acima. Agora, se aprendi a colocar a avaliação de quem eu sou na mão de alguém, imagine aí o grau de insatisfação comigo mesma e o tipo de autoestima que tinha. Eu vacilava em me empoderar. Colocava em dúvida cada centímetro de mim. Imaginem o tanto de  energia gasto para fazer “tudo certo” e mesmo assim não ficar satisfeita. Um padrão inatingível, cansativo, injusto e cruel.

Esse exemplo pessoal é para ilustrar algo que pouco paramos para refletir: sobre a responsabilidade daquilo que falamos para o outro, principalmente pelas sentenças que dizemos sobre quem ele é. E isso tem mais força na infância, já que é um momento em que estamos mais intensamente aprendendo sobre tudo. E esse aprendizado é mediado por um adulto que apresenta e nomeia o mundo. Logo a percepção trazida terá um forte peso. Expectativas são entregues para as crianças: quem ela será e o que irá fazer. Definições de personalidade são construídas (é inteligente, é chata, é amiga, é danada, é quieta, é bagunceira). E curioso como o “é" traz uma rigidez. Ninguém é só alguma coisa. Somos uma mistura de tanto em proposições variadas. 

Pois bem, discursos ditos são misturados a construção da identidade. E podem ser responsáveis por desajustes. Por isso, o processo de autoconhecimento é tão importante e desafiador, pois é necessário aprender a separar o que é seu e o que foi dito sobre você, por adultos que, em tese, sabiam das coisas. 

Caroline Cabral

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