Autoestima x baixa autoestima #2: as festas de final de ano em família
No texto anterior trouxemos alguns conceitos e explicações do que chamamos de autoestima, esta por sua vez, perpassando pela auto-imagem; os sentimentos nutridos por nós mesmos; a forma como nos tratamos dentro da visão em totalidade que temos de nós e nossa forma de nos conceber intelectual e sensorialmente. Já nesta oportunidade daremos sequência falando sobre como os encontros familiares podem ser benéficos ou danosos à nossa autoestima, aproveitando o momento que acabamos de passar (Natal e réveillon), datas em que reencontramos parentes e as consequências que a qualidade desses encontros podem trazer, bem como esse momento de virada de ano com os sentimentos de recomeço e auto avaliação frente ao findar de um ano.
Além do nosso período inicial de desenvolvimento, é no contato diário e na interação entre as relações que nos construímos, construímos nossa personalidade, nosso modo no mundo e dentre eles a estima pessoal (por nós), a qualidade desses contatos é de suma importância para que possamos o internalizar como autoconhecimento. Esse processo de internalização ocorre fortemente na infância no processo do desenvolvimento infantil, no entanto, é sabido que estamos a todo tempo em infinita construção e lapidação de nosso ser, constituindo nossa essência conforme nossa experiência, como já disse Sartre. Portanto, na inspiração do encerramento do ano e dos muitos encontros, sobretudo os familiares, nos convoco a questionar em que qualidade se deu nossas festas natalinas e sob qual perspectiva de moral pessoal estamos finalizando e iniciando nosso ano, com aquela sensação de dever cumprido ou cabisbaixos por não termos respeitado acordos feitos a nós mesmos?
Aqui uma equação bem complexamente simples: as relações familiares, os afetos determinantemente impostos pelos laços consanguíneos, os afetos espontâneos, o desempenho do aparente, a mesma ideia convencional de sucesso. Diante disto qual a medida de nossas sensações em virtude das frustrações? A ideia de sucesso que tenho é minha ou me foi imposta? Quanto do outro tenho introjetado em mim? Como aprendi os conceitos que tenho de mim?
Esses são alguns questionamentos para que possamos nos inquietar, buscar o centro e o discernimento de nosso próprio ser, gerando autonomia e autoconfiança à medida que vamos encontrando em nós mesmos nossas próprias respostas, nos perceber inteiros através dos contextos em que estamos inseridos.
E o que tudo isso tem a ver com os encontros familiares do final de ano e com os propósitos para o ano que se inicia?
Foi comum próximo ao natal escutar de muitos o receio do encontro com os familiares, e de alguns um murmúrio em relação ao novo ano com certa sensação de fardo, com alguns foi possível dialogar com um tanto mais de profundidade, outros mais superficialmente, entretanto é desses diálogos que me inspiro para esse texto. Observei que os tais encontros para a maioria representavam as cobranças, inicialmente a de ter que dispor de suas presenças em um ambiente que, apesar de familiar, não é acolhedor. A obrigatoriedade imposta pelo laço sanguíneo que impõe a muitos uma ceia não de nascimento, mas de sacrifício: o sacrifício de se dispor em um ambiente que em muitos casos não os aceita, que os transgride com inúmeras perguntas indiscretas ou sugestivas, ou mesmo comparações com outros membros da família trazendo, por exemplo, um ideal de sucesso, de corpo, de casamento, de conta bancária, de escolha profissional...
Aliado a tudo isso o cenário estabelecido é aquele de fechamento de ciclo (aquele conhecido clima de refletir o que foi feito durante o ano, as conquistas obtidas), de fato não deixa de ser a finalização de um ciclo e começo de outro. No entanto, em muitos casos me parece que esses são encarados como um prazo último de validade, onde muitos se sentem andando em círculo, seja pelas promessas de mudança que se fizeram e não cumpriram ou pelas conquistas materiais não alcançadas no decorrer daquele espaço-tempo.
Confesso que me pego divagando a respeito do poder que pode ser conferido a uns milésimos de passagem de tempo, troca-se o 19 pelo 20, o 00:00 por 00:01 e isso pode ser devastador para muitos, ou mesmo muito positivo e com outros sentidos para outros tantos, o que há entre um sentido e outro que faz o curso dos símbolos ter um peso ou uma leveza?
Afinal, como temos encarado nossas passagens de tempo? O ideal de sucesso que temos foi construído por nós ou apenas engolido goela abaixo daquela colher de aviãozinho que nossa mãe ou pai (ou qualquer outra figura representativa) nos deu? Temos cumprido com as promessas e compromissos acordados conosco, ou negligenciado com frequência nos levando a mais uma virada de ano em que nos vemos frustrados? Reivindicamos nossa autonomia e liberdade ou abrimos mão?
Para finalizar acho pertinente colocar que a intenção não é ser opositora ou contra as reuniões familiares de final de ano (Natal/réveillon), mas sim, inquietar sobre como esses contatos se dão, se por meio de obrigatoriedades que apenas sustentam aparências e depreciam nossa auto imagem, ou de modo espontâneo em um ambiente onde posso ser e estar me sentindo gratificado.
E então após as festas familiares de Natal, como ficou sua autoestima?
Jessica Santos
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