Eu Pai, Eu Filho
Nunca tive a pretensão de ser pai, sempre achei uma tarefa muito árdua. Achava coisa de maluco colocar uma criança no mundo em que vivemos. Mas a vida nos leva para lugares maravilhosos e, depois de conhecer minha mulher, acabei mudando de ideia. Era o ano de 2015 e resolvemos parar de evitar. Joaquim foi concebido após 2 meses de “free sex life style”. Ficamos muito felizes e excitados, um misto de sentimentos a partir da responsabilidade que estávamos assumindo pra toda vida.
Uma vez, uma amiga me mostrou um livro que dizia que escolhemos nossos pais antes de nascer. Acho que, no meu caso, isso faz sentido. Quando éramos crianças, eu e minha irmã íamos a missa com minha mãe. Quando faltava 20 minutos pro término, meu pai chegava. Só que ele esperava a gente em um botequim que ficava na frente da igreja. Eu, ainda durante a missa, ficava de lá e pra cá, literalmente entre o bar e o altar. Acho que esse comportamento me permitiu transitar por todos, ou quase todos, os lugares. Não sei se meu filho me escolheu, mas quero dar uma amplitude de visão pra ele maior do que a minha. Desejo que ele vá muito além do bar e do altar... se ele quiser, é claro!
Joaquim nasceu com 3,215 kg e 46,5 cm. Foi amor à primeira vista!
Saudável e simpático, quietinho nos primeiros dias, logo abriu muitos sorrisos. Minha maior preocupação era me relacionar fisicamente com ele. Nunca tinha ficado com uma criança muito tempo sob meus cuidados. Observando a maneira como o obstetra segurou meu filho recém nascido, não tive dúvidas que poderia segurá-lo sem quebrá-lo.
Lembro da comunhão que seu nascimento promoveu. Muitas demonstrações de amor e carinho, todos os amigos apareceram. Esse amor me dá forças para viver e enfrentar os desafios que aparecem e os que ainda estão por vir. E me faz acreditar no ser humano, coisa que já andei duvidando.
Ele cresce e eu fico babando, é um amor que não tem tamanho. E, mesmo com tanto amor, às vezes vem uma sensação de que não estou fazendo a coisa certa, que estou pouco tempo com meu filho. Sei que isso não é real! Passamos bastante tempo juntos, mas a saudade de quando estamos longe, pelo menos pra mim, é algo inexplicável. Tenho que aproveitar enquanto ele também sente saudades do papai e quer estar comigo todo tempo.
Procuro não criar expectativas e viver cada surpresa. Surpreendo-me a todo momento com a velocidade com que ele se desenvolve, cada nova descoberta sua, cada sorriso, som, palavra nova, olhar e… lembranças. Tudo que faço com Joaquim me remete a um lugar conhecido. Limpar o pintinho, passar a mão molhada no rosto depois do almoço, beber água do chuveiro… eu fazia igual! Sem falar no mesmo chulé.
Eu nasci em 1978. Passei a infância nos anos 80, quando não existia bafômetro, não era obrigatório o uso do cinto de segurança, a correria no supermercado era constante, todos querendo pegar os produtos antes de re-precificar. A violência ainda estava se estabelecendo, a cidade parecia menos violenta. Por outro lado, a mulher era muito desvalorizada, não existia empoderamento feminino. As pessoas negras eram desrespeitadas com piadas racistas. As crianças sofriam todo tipo de bullying: gordinhos, meninos e meninas magrinhas, meninos afeminados, orientais, ninguém escapava. Hoje, apesar de tudo, sinto que, pelo menos, essas coisas são colocadas em discussão pela sociedade.
Sempre me considerei uma pessoa amável e amada. Acredito que isso se deva às relações que foram estabelecidas dentro da minha casa. As brigas nunca perduravam, não existia rancor ou ressentimento, a porrada comia e foi. Acabou, sem crise. Nunca faltei com o respeito aos meus pais. Até hoje sou incapaz de xingá-los, só em pensamentos. Nunca brinquei com a comida e também não deixava nada no prato. Sempre fui estimulado nas coisas, ditas “sólidas” como estudos e esportes. Cheguei a nadar nas equipes do Fluminense, Botafogo e Flamengo. Fiz o melhor curso de inglês. Meus pais nunca se contradiziam. Ele sempre perguntava: o que sua mãe falou? Era um saco pros meus jogos infantis, mas como modelo de educação era perfeito.
Sempre abertos ao diálogo, eu tirava minhas dúvidas sobre palavrões em casa. Me masturbava no banheiro e isso era de conhecimento de todos da casa. Minha privacidade era respeitada, explícita e limitada ao tempo do gás ligado. Funcionava.
Depois de muitos anos e uma percepção particular do mundo, percebi que grande parte de nossas frustrações e traumas vêm dos nossos pais. Fui de maneira inconsciente ficando cada vez mais longe deles e, consequentemente, eles também se afastaram de mim, atenuando a culpa, o medo e as cobranças. Com a chegada de Joaquim, essa relação se restabeleceu com força total. E vejo como são desnecessários esses desgastes. Mas sei, também, que são relações que estão em evolução. Pretendo não passar tantos medos, culpas e cobranças pro meu filho. Só Deus sabe como! E olha que sou ateu.
Acredito que tenho a missão, enquanto pai, que meu filho se torne um cara bacana. Quando percebo uma evolução em qualquer sentido da parte do Joaquim, sei que todo mérito é dele. E também não gosto de me vangloriar pela maneira como o crio e me relaciono com ele. Acho ele perfeito, inteligente, sensível… E sei também que, por mais que me esforce para ele ser um cara bacana, nunca vou saber se estou fazendo a coisa certa.
Só tem uma coisa que me deixa envaidecido: quando espontaneamente ele vem e me dá um beijo. Parado, vendo TV, ele vem e me dá um beijo sem que eu peça ou fale nada. Acho que isso rola pela relação afetuosa que temos em casa. Joaquim vê a maneira carinhosa que nos tratamos e reproduz isso.
É só o começo e tudo pode mudar. Sei que ele vai crescer e ganhar o mundo, não sei se vai voar alto, não sei se vai voar baixo, mas no que depender de mim, longe ou perto fisicamente, estaremos sempre de mãos dadas em todos os voos.
Marcio Mariante
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