Judas e o Messias Negro: algumas reflexões

Persona critica e cultural

Persona critica e cultural

Eu comecei a elaborar essa escrita em 24 de fevereiro logo após assistir ao impactante filme “Judas e o Messias Negro”.

E hoje, 26 de abril, após a cerimônia do Oscar em que o filme dirigido por Shaka King concorreu a seis prêmios, inclusive o de melhor filme, e levou a estatueta de Melhor Ator Coadjuvante para Daniel Kaluuya e Melhor Canção Original com “Fight for you” da H.E.R..

E é por aí que quero começar essa conversa, porque me pareceu um pouco estranho que tanto Daniel quanto Lakeith Sanfield concorressem para a mesma categoria de coadjuvante sendo que, ao assistir o filme, percebemos que a narrativa é conduzida pelo dilema ético de O’Neal, personagem de Lakeith, e não pelo espírito revolucionário de Hampton. 

Diante disso, não tem como não conspirar contra a premiação mais hegemônica da história da indústria cultural. Afinal, colocar Lakeith concorrendo a melhor ator, traria dois homens negros de uma obra crítica ao sistema supremacista e racista amerikkkano para a cena, dando ainda mais visibilidade a obra que é totalmente afro referenciada.

Para além disso, quero dividir com vocês as minhas impressões sobre o filme que conta a história do assassinato de Fred Hampton (Daniel Kaluuya), presidente do Partido dos Panteras Negras na Unidade de Ilinois, aos 21 anos pelo FBI.

A narrativa se desdobra pela ótica de O’Neal (Lakeith Stanfield), um interessante arco dramático em que o protagonista precisa cumprir a missão de delação determinada pelo FBI - pra salvar a própria pele, inclusive! -, ao mesmo tempo em que se sente atraído pelas ideias revolucionárias de Fred, justamente porque elas dialogavam com a sua experiência de homem negro vivendo na desgraça coletiva da Supremacia Amerikkkana.

Seu dilema ético é avalassador, assim como o seu depoimento real entrecortando a narrativa e o desfecho da sua trajetória. Saímos refletindo também sobre o peso e a culpa de ser o Judas que entregou o Black Messiah, deixando uma criança órfã de pai antes de nascer.

Já Fred Hampton, aparece como um grande líder carismático, cuja voz ecoa até os dias de hoje. Por esse motivo, Fred era visto como uma ameaça à hegemonia na Amérikkka e por isso o FBI utilizou a sua recorrente estratégia de infiltração no partido.

“Importante dizer que o Partido dos Panteras Negras foi desestabilizado a partir de várias ações de agentes do FBI infiltrados e nessa história não é diferente.“

Definitivamente não é um filme de romantização de figuras negras históricas, mas sim, uma obra sobre organização. Fred Hampton era perigoso à Amérikkka porque conseguia organizar as massas, assim como Malcolm X. Vigoroso e um grande líder, vemos um Hampton lúcido, reflexivo e resiliente da morte pela causa.

“Que aos 20 anos conseguia dialogar e alinhar várias frentes organizadas de diferentes (e alguns contraditórios) espectros ideológicos em prol da luta antigenocida e antirracista nos EUA da década de 1960.“

Frases suas como “Onde houver pessoas, há poder” são muito poderosas e despertam sentimentos de revolução aos emparedados pela supremacia. Fico imaginando quantos Fred Hampton nós também temos aqui em nossa diáspora, mas que não conseguimos ouvi-los. E penso também nos tantos outros assassinados porque descrentes de revolução, pegam em armas por motivos menos coletivos.

Eu fiquei impressionada pela obra. Saí reflexiva sobre a necessidade de nos organizarmos de forma emancipadora e longe das redes virtuais. Na base. No chão do povo. Eu já li algumas vezes o programa de 10 pontos dos Panteras Negras e acho importante conhecermos para entender melhor o impacto organizativo deles no mundo ocidental e agregar mais camadas à apreciação do filme.

Então, coloco aqui os 10 pontos para vocês saberem quais são:

  1. Queremos liberdade. Queremos o poder para determinar o destino de nossa Comunidade Negra.

  2. Queremos emprego para nosso povo.

  3. Precisamos acabar com a exploração do homem branco na Comunidade Negra.

  4. Nós queremos moradia, queremos um teto que seja adequado para abrigar seres humanos.

  5. Nós queremos uma educação para nosso povo que exponha a verdadeira natureza da decadente sociedade Americana. Queremos uma educação que nos mostre a verdadeira história e a nossa importância e papel na atual sociedade americana.

  6. Nós queremos que todos os homens negros sejam isentos do serviço militar.

  7. Nós queremos o fim imediato da brutalidade policial e assassinato do povo preto.

  8. Nós queremos a liberdade para todos os homens pretos mantidos em prisões e cadeias federais, estaduais e municipais.

  9. Nós queremos que todas as pessoas pretas quando trazidos a julgamento sejam julgadas na corte por um júri de pares do seu grupo ou por pessoas de suas comunidades pretas, como definido pela Constituição dos Estados Unidos.

  10. Nós queremos terra, pão, moradia, educação, roupas, justiça e paz. E como nosso objetivo político principal, um plebiscito supervisionado pelas Nações-Unidas a ser realizado em toda a colônia preta no qual só serão permitidos aos pretos, vítimas do projeto colonial, participar, com a finalidade de determinar a vontade do povo preto a respeito de seu destino nacional.

 Judas e o Messias Negro é definitivamente uma obra de arte. E espero que vocês se sintam nutridos com ela. Termino essa conversa pensando em Fred Hampton a quem agradeço pela luta e me inspiro para pensar caminhos de humanidade Solar para todes nós.

Aza Njeri

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