Meu nome é vermelho

Koshrow e Shirin

Koshrow e Shirin

As religiões monoteístas limitam o mundo e legitimam violências?

Como o machismo age na manutenção dos preconceitos?

Qual a importância dos artistas numa sociedade?

Sei que o título dessa coluna pode dar a impressão de um viés político específico. Mas não é disso que se trata. Explico. Limpando a estante de livros, caiu em minhas mãos, Meu Nome É vermelho, de Ohran Pamuk, escritor turco vencedor do Nobel em 2006. Presente de minha cunhada (também apaixonada por literatura), ainda não havia me debruçado com calma sobre ele. Por curiosidade, resolvi ler a primeira página do romance e fui sugado pela história e pela maestria do autor. Não consegui mais parar de ler suas 528 páginas, quando finalmente o mistério é revelado. Juro que não se trata de spoiler, mas de, a partir do livro, falar de um período histórico que me levou às três questões que abrem esse texto. 

Na virada para o século XVI, no Império Otomano, mais precisamente em Stambul, as iluminuras, desenhos e caligrafias eram artes muito admiradas. Mestres levavam a vida se formando, chegando inclusive à cegueira, para aproximarem-se da visão de Alá sobre o mundo e as coisas. Era justamente esse o grande valor das pinturas: transmitir ao papel a visão de Alá. E isso era perseguido repetindo exaustivamente os desenhos de pintores clássicos, extraídos de histórias também clássicas de poder, amor e guerras. A própria cegueira, causada por décadas de trabalho à luz de velas, legitimava a maestria, pois os mestres cegos seguiam realizado sua arte através da memória. A visão passava a ser secundária, pois de tanto copiar os modelos clássicos, a mão dos pintores já conhecia os caminhos dos desenhos que seriam feitos, ainda que mergulhadas na escuridão.

Só que havia um grande perigo rondando esses artistas: a pintura ocidental, representada principalmente pelos pintores de Veneza. No ocidente, os pintores ousavam ter um estilo próprio, pintavam a partir do que viam no cotidiano e, pasmem, assinavam suas obras!!!  

Sim, essa era considerada a maior das blasfêmias, podendo, no oriente, inclusive legitimar a tortura e levar à morte os traidores de Alá. Afinal, através de técnicas como a perspectiva, o olhar de Alá era preterido em função do olhar dos próprios pintores. No império Otomano, não se cogitava que algum artista assinasse uma obra ou impusesse seu estilo à reprodução dos pintores e histórias clássicas.

Eis duas visões de mundo antagônicas. Mas com algo em comum: o monoteísmo. Em uma, a crença religiosa (islamismo) subjuga tudo, inclusive a arte, aos olhos do deus considerado único. Em outra, justamente se afastando de séculos de jugo também religioso (cristianismo), os artistas vivem o renascimento.

O que me fascinou, em primeiro lugar, foi a percepção histórica de que o que valorizamos na arte muda ao longo dos tempos e de acordo com os lugares. Se naqueles tempos, na Turquia, o valor residia na cópia mais perfeita, hoje, no Brasil, quem copia é relegado ao anonimato, enquanto quem cria algo considerado novo ou original é valorizado.

Em segundo, a triste constatação de que, desde a invenção do monoteísmo (islamismo, judaísmo e cristianismo), as religiões passaram a subjugar o homem e seu desenvolvimento, limitando olhares, relações entre as pessoas, formas de vida, enquanto promovem a destruição daquilo que não se deixa subjugar.

Em terceiro, a posição reafirmada da mulher como objeto de desejo, relegada unicamente ao casamento, à casa e aos filhos, e cobrada pela beleza que deve ter e manter para ser escolhida por um homem que passará a ser seu tutor.

Estão aí três temas que seguem na ordem do dia. O machismo, que ainda dita regras e preconceitos, legitimando violências e ceifando vidas. As religiões monoteístas, que, misturadas ao poder, empobrecem o potencial da sociedade e também legitimam violências além de, muitas vezes, assassinatos em nome do deus único. E o papel da arte e dos artistas, para resistir contra essas violências e ampliar as visões de mundo, revelando os preconceitos.

Ah, o vermelho do título se refere a cor mesmo, elevada à personagem no romance, chegando às vezes a ser protagonista pelo fascínio que exerce aos olhos dos pintores que, na época, não dispunham de tinta, tendo que criar, através de pigmentos e elementos naturais, seu próprio arsenal de pintura. 

Em Meu Nome é Vermelho, a literatura atinge graus de maestria não apenas pelas discussões que levanta, mas pela forma da escrita. Cada capítulo é narrado por um personagem diferente que, pegando a história do ponto onde o anterior largou, faz a narrativa fluir ampliando os pontos de vista sobre os acontecimentos. São 19 vozes narrativas.

Assim, proponho a você que siga escrevendo este texto, colocando seu ponto de vista sobre esses três temas que peguei emprestado de Pamuk: as religiões monoteístas, o machismo e o papel dos artistas. 

A palavra está com você...

Renato Farias

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