Você não foi ensinado a amar o SUS

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Semana passada eu acompanhei uma aula realizada no Centro de Referência de Práticas Integrativas em Saúde (CERPIS), localizado no mesmo terreno que o Hospital Regional de Planaltina, região administrativa com características muito rurais aqui do Distrito Federal (DF). O CERPIS desenvolve inúmeras atividades integrativas, dentre elas o Tai Chi Chuan, Lian Gong, autoconhecimento, automassagem, fitoterapia, acupuntura, homeopatia, psicoterapia e educação popular em saúde.

Neste Centro está inserida a única Academia da Saúde do DF, que é uma estratégia do governo federal de desencadear atividades no âmbito não só da promoção à saúde, mas também do autocuidado, a partir de práticas que podem ser desenvolvidas em espaços públicos. Nesta visita eu tive a oportunidade de experienciar uma aula de automassagem, em que foi demonstrado a necessidade de conectarmos a mente e o corpo. O profissional que estava à frente da atividade era um médico de sensibilidade muito aguçada, especialista em medicina chinesa. Ele trouxe uma fala muito rica sobre a necessidade de nos conectarmos não só com nós mesmos, mas também com o outro, além de nos reconectarmos com a natureza, pois dela fazemos parte. A energia sentida por mim foi tão grande, que eu me emocionei em vários momentos. Terminamos com uma ciranda, palavras de conforto e muitos abraços.

Durante o restante da visita, conhecemos o canteiro e a estufa de plantas medicinais e, neste momento, o médico externou a importância da existência deste espaço ao lado do hospital. Importante porque, ao considerar os costumes de utilização da fitoterapia pela população residente de Planaltina, a presença do canteiro aproxima (no sentido de fortalecer a adesão) a comunidade do setor de saúde, pois esta passa a acreditar no trabalho que é desenvolvido ali, uma vez que o ambiente remete a tudo aquilo que foi ensinado a ela durante a sua vida.

Conseguem ver os caminhos de sensibilidade que são traçados para que a comunidade se sinta assistida? Conseguem perceber que nesta situação, quando consideramos as diferenças observadas nos costumes, permitindo “individualizar” o processo de atendimento, reduzimos as iniquidades em saúde? Porque a cultura é um macrodeterminante que influencia diretamente nos microdeterminantes e deve ser considerado para o controle das iniquidades. Conseguem perceber ainda, que trabalhando com as práticas integrativas conseguimos devagar, fazer com que a população se empodere e se torne agente da sua própria saúde?

Nesta mesma linha de raciocínio, em uma outra situação inusitada (em um churrasquinho de rua aqui próximo ao Ministério da Saúde), conheci uma pediatra que durante muito tempo foi diretora de uma Unidade Básica de Saúde (UBS) no Rio de Janeiro. Ela me disse que começou a perceber que nos horários de mudança de turno entre a tarde e a noite, os ânimos na UBS se exaltavam. Em um primeiro momento eu não entendi essa afirmativa. Mas depois, ela me explicou que este era o horário que muitos dos funcionários iam entrar no terceiro turno assim como as pessoas que estavam chegando para ser atendidas, pois ambos já haviam trabalhado o dia inteiro. Considerando o cansaço, que por muitas vezes vem acompanhado de estresse, ela resolveu que às 18h em ponto, todos seriam convidados para uma aula de Tai Chi Chuan. Assim, eles conseguiriam relaxar e a qualidade do atendimento possivelmente se tornaria até superior à esperada.

FICO ME PERGUNTANDO O PORQUÊ DESSAS EXPERIÊNCIAS BEM-SUCEDIDAS NÃO SEREM AMPLAMENTE DIVULGADAS PELA MÍDIA. PORQUE SOMENTE TEMOS ACESSO ÀS MÁS EXPERIÊNCIAS? 

É por esse motivo que eu estou trazendo este relato de profissionais com sensibilidade aguçada. Profissionais que não somente entendem os princípios do SUS, mas que conseguem compartilhar uma empatia que muitas vezes não conseguimos perceber em boa parte dos profissionais. É essa empatia que os diferencia e que faz com que eles consigam entender a importância de um acesso universal e integral a saúde; entender que todos fazemos parte de um todo e que, por isso, deveríamos lutar pelas melhorias que ainda precisam ser realizadas. 

O grande problema que eu percebo é que não fomos ensinados a expressar empatia, e neste sentido temos dificuldade em perceber que esta é uma luta conjunta. Nossa sociedade é muito dissociada das nossas raízes. Muitos de nós não consideram que somos um povo miscigenado, com raízes indígenas, africanas, europeias e de tantos outros povos. E essa dissociação é muito perigosa porque segrega a nossa luta em lutas individuais.

Muitos de nós não se preocupam com as demarcações de terras indígenas saírem da FUNAI, com o aumento das queimadas na Amazônia ou com os casos de racismo que estão cada vez mais frequentes, como o caso do jovem negro, morador de rua, que recentemente foi chicoteado por seguranças de um supermercado. Isso porque não nos sentimos parte.

Da mesma forma, considerando essa falta de percepção de si mesmo, nós não fomos ensinados a amar o SUS. Nós, da classe média, não fomos ensinados a amar o SUS. Podemos perceber isso, quando não nos sentimos incluídos no princípio de universalidade, que garante “o acesso a saúde de todas as pessoas, independentemente de sexo, raça, ocupação, orientação sexual ou outras características sociais ou pessoais”. Continuamos sem entender que fazemos parte de um todo. E talvez não nos preocupemos em entender. Pois quando entendermos que fazemos parte, teremos que aceitar dividir um espaço com pessoas que não identificamos como pertencentes ao nosso espaço.

Na verdade, nós fomos ensinados a pagar um plano de saúde, que te garante atendimento aos hospitais particulares, em que parte deles participam da rede SUS seguindo o princípio organizacional de complementariedade do setor privado, e em que muitas vezes vamos ser atendidos por médicos residentes recém-formados. Mas pagando entendemos que podemos garantir qualidade, não é mesmo? Só que os hospitais de referência nacional em infectologia, dermatologia, cardiologia, neurologia, oncologia dentre outras especialidades tão importantes, são públicos e não privados.

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A distribuição de diversos medicamentos utilizados no tratamento de doenças infecciosas como HIV/AIDS, leishmaniose visceral e tegumentar, doença de Chagas, tuberculose, hanseníane, influenza e tantas outras é realizada exclusivamente pelo SUS. Os testes diagnósticos com maior acurácia estão disponíveis no SUS. As principais vacinas, que são a melhor estratégia de prevenção das doenças infecciosas, são ofertadas pelo SUS. E saibam, caso tenhamos qualquer problema relacionado ao acondicionamento destes imunobiológicos, estes serão com 100% de certeza, descartados.

Então finalizo sinalizando que hoje, mesmo sabendo que existem inúmeros problemas a serem sanados em termos de execução das atividades no âmbito do SUS, resolvi apontar o que funciona e mostrar que funciona não somente pela forma que o sistema foi desenhado, mas principalmente porque temos profissionais a frente que amam e acreditam no SUS.    

Rafaella Albuquerque e Silva

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https://sindsaude.org.br/noticias/hrpl/1132/conheca-o-cerpis.html

http://www.saude.gov.br/acoes-e-programas/academia-da-saude

http://www.saude.gov.br/saude-de-a-z/praticas-integrativas-e-complementares