Na rotina séria, não é tão ruim como parece
Faz 16 meses desde a confirmação do primeiro caso de SARS-COV-2 no Brasil. Desde então, assistimos às tentativas frustradas de especialistas e comunidade científica em mostrar alternativas de prevenção viáveis a nossa população, considerando o conhecimento que tínhamos da doença até então.
Frustradas porque, aparentemente, personagens que deveriam ser fundamentais, como o presidente da República, pareciam lutar contra o controle da doença, atrasando a compra das vacinas, desestimulando o uso de máscaras e realizando aglomerações por onde passava. Mas isso não é novidade para ninguém. Ou para quase ninguém. Quem possui um mínimo de poder interpretativo e raciocínio percebeu, embora possa não compreender o que motiva essa desarticulação no controle da doença.
Finalmente, no dia 27 de abril de 2021, foi instaurada uma comissão para avaliar os motivos pelos quais não tivemos um controle adequado da COVID-19, incluindo, obviamente, a estapafúrdia campanha de vacinação.
No dia 06 de julho de 2021, foi depor na CPI, uma servidora e fiscal de contratos do Ministério da Saúde. Ela trabalha no mesmo departamento que eu e inclusive é fiscal do contrato de alguns insumos estratégicos que a área em que trabalho adquire.
E é sobre isso que eu gostaria de falar. Durante toda a sessão, por não ter a mesma desenvoltura que as depoentes anteriores, foi duramente questionada e, por vezes, na minha concepção, humilhada.
Mas isso ocorreu justamente pela dificuldade de comunicação no momento de sua fala, justamente porque os senadores e a população que estava assistindo sequer tem a mínima noção sobre quais são os passos para a aquisição de insumos estratégicos à saúde.
O Ministério da Saúde realiza, anualmente, o planejamento logístico para a aquisição de insumos estratégicos à saúde, que, de acordo com a Portaria de Consolidação no4 de 28 de setembro de 2017, compreende:
a) imunobiológicos definidos pelo Programa Nacional de Imunizações; (Origem: PRT MS/GM 1378/2013, Art. 6º, XIX, a)
b) seringas e agulhas para campanhas de vacinação que não fazem parte daquelas já estabelecidas ou quando solicitadas por um Estado; (Origem: PRT MS/GM 1378/2013, Art. 6º, XIX, b)
c) medicamentos específicos para agravos e doenças de interesse da Vigilância em Saúde, conforme termos pactuados na Comissão Intergestores Tripartite (CIT); (Origem: PRT MS/GM 1378/2013, Art. 6º, XIX, c)
d) reagentes específicos e insumos estratégicos para as ações laboratoriais de Vigilância em Saúde, nos termos pactuados na CIT; (Origem: PRT MS/GM 1378/2013, Art. 6º, XIX, d)
e) insumos destinados ao controle de doenças transmitidas por vetores, compreendendo: praguicidas, inseticidas, larvicidas e moluscocidas - indicados pelos programas; (Origem: PRT MS/GM 1378/2013, Art. 6º, XIX, e)
f) equipamentos de proteção individual (EPI) para as ações de Vigilância em Saúde sob sua responsabilidade direta, que assim o exigirem; (Origem: PRT MS/GM 1378/2013, Art. 6º, XIX, f)
g) insumos de prevenção, diagnóstico e tratamento de doenças sexualmente transmissíveis, indicados pelos programas, nos termos pactuados na CIT; e (Origem: PRT MS/GM 1378/2013, Art. 6º, XIX, g)
h) formulários das Declarações de Nascidos Vivos (DNV) e de óbitos (DO); (Origem: PRT MS/GM 1378/2013, Art. 6º, XIX, h)”.
Os insumos supracitados são adquiridos e distribuídos pelo governo federal aos estados e municípios de forma a assegurar a continuidade das atividades de prevenção e controle das doenças no território nacional.
A aquisição de insumos estratégicos à saúde foi muito evidenciada na CPI, uma vez que denúncias foram feitas a cerca de irregularidades nas aquisições. Anualmente, a área técnica em que eu trabalho realiza aquisições de inseticidas, testes diagnósticos, medicamentos e armadilhas entomológicas.
O processo, para que todos entendam, parte de um planejamento logístico já mencionado acima, em que a área técnica a partir de dados de uma série histórica, define o quantitativo a ser comprado de cada insumo. Isso dependerá do tipo de insumo, da atividade na qual utiliza-se os insumos e no orçamento previsto e disponível para a aquisição.
Tem-se então que ser elaborado um termo de referência (TR), cujos tópicos são previamente definidos, constando inclusive as sanções caso haja descumprimento do que foi definido no decorrer da execução do contrato. Então o TR traz tópicos relacionados ao produto, com a descrição aproximada do mesmo, com a explicação breve sobre o seu uso e sobre o quantitativo a ser utilizado, além de justificativa para a compra; sem, obviamente, fazer qualquer referência à marca ou empresas.
Ademais, é importante definir a forma de avaliação do produto, sendo normalmente necessário o envio de amostras para que a área técnica possa avaliar se está dentro do que foi solicitado ou não. Neste ponto gostaria de ressaltar a necessidade do acompanhamento de todo o processo pela área técnica.
É importante enfatizar que o TR vai ser a base do edital em que as empresas vão concorrer. É aberto então um pregão, e a menor proposta de preço, considerando a descrição do objeto a ser adquirido, vence.
O resultado é publicado no Diário Oficial da União. A base do contrato será então, uma mescla entre o edital (que consta as informações do TR) e a proposta da empresa vencedora. A proposta é analisada pela área técnica, que dá ou não o “de acordo”.
Até esse momento, não há menção, vejam, de um fiscal de contrato. Isso porque, a função do fiscal de contrato é acompanhar a execução. O contrato precisa estar firmado para haver execução. E nesta, o fiscal deve acompanhar a entrega, avaliando a qualidade do produto bem como o quantitativo contratado. Este ponto de fato pode ser visto como uma fragilidade. O fiscal de contrato talvez devesse ser uma pessoa que sim, acompanha todo o processo, desde o início, e tem expertise na área.
Diversas perguntas foram realizadas na CPI à servidora, de etapas que ela, repetidamente, respondeu que não faziam parte da sua função enquanto fiscal. E, infelizmente, isso foi posto pelos senadores como sendo um total desconhecimento do processo por parte dela quando, na verdade, quem não conhece as etapas são eles.
A área técnica precisa acompanhar o processo, junto com a fiscal, para que, discordâncias técnicas sejam apontadas. Como foi dito, são diversos tipos de produtos e processos de compra que são fiscalizados por ela e, portanto, ela não tem como ter expertise técnica sobre tudo o que está sendo comprado. Isto também é atribuição da área técnica, ou seja, apontar divergências técnicas.
Vocês podem estar se perguntando: mas só deveria fiscalizar quem tem expertise na área, não?
Essa pergunta é boa e aponta algumas fragilidades sim, vocês têm razão. Uma delas é que o corpo técnico do MS é composto principalmente por consultores, que não podem ser fiscais. E outro ponto importante é que nem todos os servidores querem ser fiscais. Eu te pergunto: você seria?
Todo o TR é escrito pela área técnica. Às vezes sim, há a necessidade de discussão de preço, principalmente quando é um insumo que é comprado anualmente. Mas por favor, não tirem este mau exemplo de tentativas que a propina para tudo o que é comprado em termos de saúde pública.
E não achem que são os técnicos do MS, concursados ou consultores, que têm o poder de discutir, sozinhos, estes tópicos. A tratativa técnica não se faz em restaurantes ou qualquer outro local que não seja no próprio Ministério, com técnicos das áreas, do Núcleo de Insumos Estratégicos e do Departamento de Logística.
Finalizo enfatizando que não podemos, mais uma vez, condenar uma instituição séria como o Ministério da Saúde, devido a eventos isolados em um governo... (complete a frase).
Na rotina séria, realmente, não é tão ruim como parece.
Abraço,
Rafaella Albuquerque
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Transcrevo abaixo a Seção V – Das Compras – retirada da Lei 8.666 de 21 de junho de 1993, que regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências.
Conhecida como lei das licitações.
Seção V
Das Compras
Art. 14. Nenhuma compra será feita sem a adequada caracterização de seu objeto e indicação dos recursos orçamentários para seu pagamento, sob pena de nulidade do ato e responsabilidade de quem lhe tiver dado causa.
Art. 15. As compras, sempre que possível, deverão: (Regulamento) (Regulamento) (Regulamento) (Vigência)
I - atender ao princípio da padronização, que imponha compatibilidade de especificações técnicas e de desempenho, observadas, quando for o caso, as condições de manutenção, assistência técnica e garantia oferecidas;
II - ser processadas através de sistema de registro de preços;
III - submeter-se às condições de aquisição e pagamento semelhantes às do setor privado;
IV - ser subdivididas em tantas parcelas quantas necessárias para aproveitar as peculiaridades do mercado, visando economicidade;
V - balizar-se pelos preços praticados no âmbito dos órgãos e entidades da Administração Pública.
§ 1o O registro de preços será precedido de ampla pesquisa de mercado.
§ 2o Os preços registrados serão publicados trimestralmente para orientação da Administração, na imprensa oficial.
§ 3o O sistema de registro de preços será regulamentado por decreto, atendidas as peculiaridades regionais, observadas as seguintes condições:
I - seleção feita mediante concorrência;
II - estipulação prévia do sistema de controle e atualização dos preços registrados;
III - validade do registro não superior a um ano.
§ 4o A existência de preços registrados não obriga a Administração a firmar as contratações que deles poderão advir, ficando-lhe facultada a utilização de outros meios, respeitada a legislação relativa às licitações, sendo assegurado ao beneficiário do registro preferência em igualdade de condições.
§ 5o O sistema de controle originado no quadro geral de preços, quando possível, deverá ser informatizado.
§ 6o Qualquer cidadão é parte legítima para impugnar preço constante do quadro geral em razão de incompatibilidade desse com o preço vigente no mercado.
§ 7o Nas compras deverão ser observadas, ainda:
I - a especificação completa do bem a ser adquirido sem indicação de marca;
II - a definição das unidades e das quantidades a serem adquiridas em função do consumo e utilização prováveis, cuja estimativa será obtida, sempre que possível, mediante adequadas técnicas quantitativas de estimação;
III - as condições de guarda e armazenamento que não permitam a deterioração do material.
§ 8o O recebimento de material de valor superior ao limite estabelecido no art. 23 desta Lei, para a modalidade de convite, deverá ser confiado a uma comissão de, no mínimo, 3 (três) membros.
Art. 16. Fechado o negócio, será publicada a relação de todas as compras feitas pela Administração Direta ou Indireta, de maneira a clarificar a identificação do bem comprado, seu preço unitário, a quantidade adquirida, o nome do vendedor e o valor total da operação.
Art. 16. Será dada publicidade, mensalmente, em órgão de divulgação oficial ou em quadro de avisos de amplo acesso público, à relação de todas as compras feitas pela Administração Direta ou Indireta, de maneira a clarificar a identificação do bem comprado, seu preço unitário, a quantidade adquirida, o nome do vendedor e o valor total da operação, podendo ser aglutinadas por itens as compras feitas com dispensa e inexigibilidade de licitação. (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994)
Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica aos casos de dispensa de licitação previstos no inciso IX do art. 24.