Nossa dívida por todas as mulheres, todas!
HOMENS, OS SENHORES TÊM UMA DÍVIDA HISTÓRICA INTERMINÁVEL PARA COM AS MULHERES.
Todo santo dia precisa ser dedicado às mulheres, todas, sejam cis ou trans. Semana passada saiu outro absurdo índice de feminicídio. A mistura de repulsa e desejo pelo sexo feminino parece fazer uma guerra em permanência. Algumas teorias dizem que são hormônios, outros a força física, outros a inveja. Yuval Harari dedica um capítulo sobre esse assunto no seu livro Sapiens. Se o ditado diz a oportunidade faz o ladrão, eu diria que qualquer instante do descontrole masculino faz um homem chutar uma grávida ou abusar de uma menina sem dó. É preciso falar deste tema até que esse tempo seja destinado as falar das benesses, não mais dos sofrimentos e mortes.
Bom, mas meu dever é trazer a fala budista no blog. Jä contei outra vez, mas vale relembrar. Sidarta Gautama vivia numa sociedade altamente machista. Após se tornar Buddha, ele negou a entrada de mulheres em sua senda. Sua tia, Mahaprajapati, insiste em ser ordenada, com a intervenção Ananda, o mais célebre seguidor de Shakyamuni. Mas o Iluminado, sabendo das dificuldades sociais a recusa para protegê-la, não por vê-la em uma casta inferior. Em nova insistência, Mahaprajapati torna-se finalmente a primeira monja budista trazendo outras mulheres. A condição feminina posicionava a mulher no contexto indiano como serviçal, de obrigações maritais, maternidade e afazeres domésticos em um ambiente de castas observado pelos dogmas hinduístas. Nascer mulher era certamente designo de uma casta inferior. Hoje, concluo sem hesitar como o Budismo foi uma religião socialmente transgressora, ao desqualificar as castas, onde todos podem se iluminar e sair dos estados de sofrimentos. Mudamos este cenário ou apenas o sofisticamos?
Há outra figura feminina importante, Tara, expressada no budismo exotérico tibetano. A história conta que “Tara era uma princesa chamada Lua da Sabedoria, que era muito devotada ao Dharma e tinha uma prática profunda de meditação. Ela estava perto de alcançar iluminação, aumentando a intenção de alcançá-la ao benefício de todos os seres, eis que um monge se aproximou dela e disse - que pena era estar no corpo de uma mulher, porque teria que voltar como um homem antes que ela pudesse se tornar iluminada”. A princesa respondeu brilhantemente, demonstrando sua compreensão do Vazio e da Verdade Absoluta dizendo - aqui não há homem; não há mulher, nem eu, pessoa ou consciência. Rotular 'masculino' ou 'feminino' é vazio. Oh, como os tolos do mundo se iludem” (Taranatha, Origem do Tara Tantra), explica Lama Tsultrim Allione, fundadora do centro de retiros Tara Mandala em Pagosa Springs, Colorado, EUA. Tara ainda profere um voto em suas práticas:
“Aqueles que desejam alcançar a iluminação suprema no corpo de um homem são muitos, mas aqueles que desejam servir aos objetivos dos seres no corpo de uma mulher são poucos; portanto, até que este mundo seja esvaziado, trabalhe em benefício de seres sencientes no corpo de uma mulher”.
Tara foi sem dúvida uma divindade liberal, desobediente, transgressora. Um sagrado transgressor e rebelde, quem diria! Já comentei outras vezes que precisamos atravessar os conceitos de gênero designados nos textos religiosos e reinterpretar suas linguagens. A prática da masculinização do sagrado sempre foi um instrumento de poder e dominação. Que melhor arma há que definir a reputação espiritual do inimigo anunciada por um deus masculino? Definir a condição de pobreza, sexual, social de uma pessoa fragilizada como designo divino é pura sedução tirana. Vivemos uma sociedade androcêntrica e patriarcal bem auto-estruturada. Os homens foram muito engenhosos, devo admitir.
Números alarmantes publicados em sites como Rede Nossa SP no Mapa da Desigualdade denunciam o aumento da violência. Pergunto-me, a violência aumentou ou passaram a denunciadas e contabilizadas? E 49% dos atos ocorrem em casa, onde a vítima é invisível à sociedade comum. Há ainda mulheres de religiosos obrigadas pela própria comunidade a se silenciarem em respeito ao marido, muitos pastores, e não desobedecer a bíblia. Um outro cenário de denúncia foi o filme O Escândalo (Bombshell, EUA, 2019) contando o assédio sexual no ambiente do jornalismo. A condição feminina sempre é um instrumento de articulação social ou profissional, uma moeda de troca. A quem interessa, a quem não interessa o fim deste comportamento? O feminicídio é uma misoginia estrutural e precisa ser desarticulada.
E para encerrar, vem-me a freira Juana Ines de La Cruz, quando diz que seu único pecado foi ser mulher. Lama Tsultrim também ressalva nos contos Cem Mil Musicas de Milarepa frases como - por causa do karma pecaminoso, recebi este corpo feminino inferior.
Sejamos como Tara e Juana Inês, ambas as personificações desta transgressão, de desobediência ao androcentrismo ditando condições sob desígnios religiosos. O budismo também não escapou, criou segregação por séculos. Somos apenas Vida em corpos manifestados, e quando distanciarmos os desígnios do sexo, nos veremos como iguais. Sigamos, resistamos e reajamos.
Quem quiser ler mais da matéria da Lama Tsultrim, segue o link - (use google tradutor de páginas se precisar)
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Rev. Jean Tetsuji 釋哲慈
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