O amor como sobrevivência

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Em A metafísica do amor, Schopenhauer ressalta que o ser humano alimenta um ardente desejo de ocupar a maior quantidade de espaço e viver com o máximo de liberdade − em outras palavras, de se eternizar. E que melhor maneira de fazer isso senão por meio da procriação e da geração de descendentes?

Para ele, existiria um complô da natureza que aproximaria indivíduos para que eles procriassem. O amor seria, então, um simples instinto animal.

Como Robert Wright[1] explica, a psicologia evolucionista possui uma visão semelhante à de Schopenhauer. Duas pessoas, quando se amam, estão sendo ludibriadas pela força da natureza para que possam criar descendentes. Essa perspectiva se baseia em uma interpretação da teoria da evolução de Charles Darwin. Em todas as espécies animais − inclusive a humana −, os indivíduos buscariam se adaptar aos desafios do ambiente para sobreviver e se reproduzir. Ou seja, o objetivo primordial do amor seria satisfazer o desejo inerente e inconsciente de se realizar por meio da descendência.

Ambas as teorias são contestadas tanto pela ciência quanto pela filosofia contemporânea, porém elas dão algumas pistas importantes para nos aventurarmos no entendimento da experiência amorosa. A questão que se pode levantar aqui é: por que nos atraímos por certas pessoas? Schopenhauer dizia que há três características que fazem uma pessoa desejar outra: saúde, força e beleza.

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Há alguns dados científicos que parecem concordar, em parte, com Schopenhauer. Por exemplo, na pesquisa de David Buss[2], foram estudadas 37 culturas do mundo todo. Em todas, as mulheres e os homens em relações heterossexuais pareciam buscar a mesma coisa.

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Segundo a teoria evolucionista, no tempo das cavernas, as mulheres ficavam esperando que os homens caçassem e coletassem alimentos, experiência que, de alguma maneira, deixou uma marca no nosso inconsciente até hoje.

Assim, dispositivos de sobrevivência fazem com que procuremos, para sobreviver, certas características em nossos parceiros. Sem saber, somos guiados por critérios inconscientes, mas determinantes, na nossa aproximação ou não de alguém.

Esses pontos de vista, ainda que controversos e reducionistas, indicam que há algo no amor que depende menos da nossa razão do que imaginávamos. Por trás de um ideal romântico, há também um corpo − e seus naturais instintos − cujo funcionamento às vezes ignoramos.

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Um bom exemplo é o male parental investment (MPI) ou a capacidade de investimento paterno de uma espécie. Dentre as espécies de animais, os humanos são os que mais dependem dos pais para sobreviver na infância. Enquanto alguns bichos nascem praticamente independentes, o filhote humano precisa obrigatoriamente ser cuidado pela sua família. Por isso, do ponto de vista evolutivo, é muito importante que os homens tenham um MPI elevado − que depende muito do seu amor pela prole e pela parceira. As mulheres, então, devem buscar homens que possuem essa qualidade. Há vários outros estudos que poderiam ser citados, mas o ponto aqui é notar que o amor também possui uma faceta animal, determinada por um instinto de sobrevivência.

Renato Noguera

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 NOGUERA, Renato. Por que amamos: o que os mitos e a filosofia têm a dizer sobre o amor. Rio de Janeiro:  Editora Harper Collins,  2020, p.35-37; 41

  WRIGHT, Robert. O animal moral: por que somos como somos? 9. ed. São Paulo: Campus, 1996.

  BUSS, David. “Sex differences in human mate preferences. Evolutionary hypotheses tested in 37 cultures”. Behavioral and Brain Sciences, v. 12, n. 1, p. 1-14, 1989.