O brilho no olhar que nos salvará
ALGUÉM QUE OLHA NO FUNDO DOS OLHOS DE ALGUÉM E RECONHECE O BRILHO DE VIDA DESSE OUTRO OLHAR NÃO PODE MAIS FICAR INDIFERENTE AO HUMANO, À HUMANIDADE.
Por que esse vislumbre de vida não torna evidente apenas que existe o outro, mas que eu existo, com todas as fraquezas que enxergo nesse olhar frágil que brilha. Ao tentar olhar no fundo dos olhos do outro, em busca de algo mais profundo naquela humanidade, como se para entende-la em toda sua complexidade, é a mim próprio que encontro em primeiro lugar. E é em razão desse encontro, que há um despertar para algo maior, para nossa tragédia conjunta, que não é do outro nem minha, mas de todos nós, simultaneamente.
E das fraquezas comuns, assim como um olho é frágil, é que nos é apresentada nossa maior força. A força decorrente da vida em conjunto, do reconhecimento da dependência mútua, da impossibilidade de negarmos aos outros. Se a família é a primeira forma de organização social é porque, sozinho, o humano percebeu sua impotência frente aos desafios do mundo.
Esse encontro do olhar, no fundo do outro, não é tão especial ou único quanto a introdução deste texto faz parecer. Ele pode ser cotidiano, rotineiro, mas demanda certa sinceridade e a abertura da alma para o encantamento. Tampouco precisa que seja com desconhecidos. Aliás, quem já olhou o brilho dos olhos de alguém próximo? Esse desafio, de nos permitirmos olhar no fundo dos olhos alheios, com a sinceridade que permita esse encantamento e surpresa é o grande desafio que proponho.
E digo tudo isso com um propósito para além de nossas vidas privadas (como sempre me proponho aqui) mas com o intuito de que isso seja um exercício de cidadania; lembrar que o olho do outro também brilha, brilho este que também está em mim.
Ao reconhecer, então, que no fundo não há diferença entre o outro e eu, que nossas tragédias apenas parecem diferentes, somente na superfície, mas os olhos ainda guardam o brilho da vida, é que se torna possível amarrar o laço do comprometimento com nossos propósitos humanos maiores. Que o olho do estudante brilha como meu, assim como o do aposentado ou do trabalhador rural.
Que nossos olhos e nossos propósitos humanos são os mesmos e a esperança de um olho juvenil é também a minha, assim como a sabedoria de um olho já vivido. Temos que nos apropriar da humanidade, não da nossa apenas, mas do outro. E quando falamos do reconhecimento do humano do outro, não parece ser difícil de apreender as necessidades prementes que nos afligem pois, se eu estou no outro, ele está em mim.
Assim, defendo tudo aquilo que permite o brilho no olhar, de encantamento, surpresa, alegria ou esperança. Pois dele me aproprio, como um espelho, refletindo o brilho de uma luz. Ao olhar para o espelho que reflete o brilho da lâmpada, onde está a luz?
E é assim que quero me esforçar para olhar ao estudante, ao secundarista, ao universitário e ao professor que saiu às ruas em defesa de seu futuro. O brilho no olhar das pessoas que marcham juntas, é aquele que pode nos alimentar para enfrentar o momento de desesperança e, talvez, nos motivar a marchar em conjunto.
Todo olhar humano e sincero, que brilha a vida, constrói, a destruição, o escárnio, a irá, não reflete a esse humano, mas apenas revela a fragilidade do seu emissor quando se olha no fundo dos olhos destes, e se percebe um brilho esquecido, quase apagado. Não é a ira que se reflete nesses olhos, portanto, mas apenas o seu sofrimento, que merece ser enfrentado se as barreiras puderem ser quebradas. Essa irá não nos conquista, como o brilho sincero de vida.
Há assuntos que transcendem posições individuais, partidárias ou associativas, e é a partir delas que a construção de um debate de futuro de torna possível, não o contrário. Pois estes, emergem no brilho do olho humano, e afetam a todos nós. Não à toa, algumas delas por exemplo, foram alçadas como objetivos do nosso país, no pacto firmado em 1.988 durante a constituinte. Acabar com o preconceito, a discriminação, diminuir as desigualdades regionais estão entre elas. E é evidente que elas afetam a todos, não apenas suas vítimas. Alguns apenas precisam se abrir e reconhecer o seu próprio humano para compreender isso.
Vamos permitir que nossos próprios olhos brilhem sempre, e que possamos estar abertos para enxergar esta simples manifestação de vida nos olhares alheios. São eles que irão nos salvar da desesperança e da indiferença.
Arthur Spada
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*As imagens são da manifestação em defesa da educação, que aconteceu no último dia 15 de maio, por todo o país.