O ocaso do bolsonarismo

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O título do artigo de hoje é muito mais um desejo do que uma realidade dada. A pesquisa do Instituto Datafolha divulgada nesta quinta-feira demonstra que a rejeição ao governo bolsonaro alcançou o maior patamar desde o início da gestão (51% avaliam como ruim ou péssimo) e que este pode não conseguir a sua reeleição, perdendo apoio em grupos nos quais teve ampla votação em 2018.

Além disso, o ex-presidente Lula teria uma margem considerável de preferência, vencendo no primeiro e no segundo turno das eleições de 2022. Entretanto, não há nada que garanta que esse resultado se confirmará e, em caso positivo, que o bolsonarismo acabaria junto com a derrota eleitoral.

Em livro publicado em meados do ano passado, o Cientista Político Leonardo Avritzer da UFMG, discorre acerca da crise do bolsonarismo e da reabilitação da política, que poderia ser potencializada pela pandemia, a qual exigiria que comportamentos e decisões racionais, baseadas em evidências científicas, fossem tomadas para o combate ao vírus. É certo que há iniciativas de combate e resistência ao bolsonarismo dentro e fora das instituições, além deste demonstrar evidentes desgastes, como as pífias manifestações públicas em seu favor nos últimos finais de semana revelam.

“Não significa que seja possível antever o que acontecerá num futuro breve.”

Passados mais de 2 anos e meio da gestão, já é possível entender de forma, ainda que parcial, como opera o bolsonarismo e o que levou a escolha de muitos eleitores a fazer a escolha pelo atual presidente nas eleições. Também há um grande conflito de visões sobre a sua superação e a retomada de um projeto de aprofundamento da democracia brasileira.

Enumero algumas características da gestão bolsonarista.

Bolsonaro rompeu com o presidencialismo de coalizão, tanto por não formar uma base sólida de apoio, como pela falta de um projeto político que seja capaz de atrair e manter os parlamentares e partidos em torno dele. Seu governo vem operando entre o isolamento e apoios de ocasião até agora, cujos custos se tornam cada vez mais altos em razão da inépcia política e pela falta de uma diretriz que não imponha altos custos políticos a parlamentares.

O presidente também demonstra a capacidade de mobilizar a discussão pública em torno de suas declarações. Apesar de cada vez mais as polêmicas e ameaças de ruptura soarem como bravata, não deixam de dirigir em grande medida o debate público, ao impor que todos os opositores sejam obrigados a se manifestar de forma contrária, em defesa das instituições ou da racionalidade.

As oitivas levadas a cabo pela CPI da covid talvez representem o primeiro momento no qual, por dias seguidos, o presidente tenha perdido essa capacidade.

Ontem, a tentativa de ofender o senador Renan Calheiros (MDB) na inauguração de uma obra no estado governado de Alagoas, não mereceu mais de 5 minutos de atenção, no dia em que o ex-presidente da Pfizer no Brasil confirmou que poderíamos ter vacinas aqui desde dezembro do ano passado.

Aliás, a invasão da CPI pela deputada bolsonarista Carla Zambelli (PSL) e os xingamentos do filho do presidente, Flávio bolsonaro (Republicanos), também a Calheiros no dia anterior, reforçam a incapacidade do bolsonarismo de operar a política pela via das instituições, jogando o jogo dentro de suas regras.

Tais atitudes, servem para demonstrar o desespero do grupo ao, diante da própria inaptidão, tentar tumultuar os trabalhos da CPI e tentar dirigir as manchetes do dia seguinte, criando situações de impacto.

Certamente, quando mais de 400 mil vidas foram perdidas e, cada vez mais é evidente que as mortes eram evitáveis, se torna difícil pretender manter o controle da narrativa apenas com xingamentos e bravatas.

Também é notório como bolsonaro utiliza da estratégia da transferência de culpa sempre que confrontado com alguma decisão de seu governo, seja no campo da ação ou da omissão. Isso fica bastante claro na condução do combate a pandemia e suas críticas ao isolamento social.

Se a economia vai mal, a culpa é de prefeitos e governadores que determinam o fechamento do comércio. Se há falta de insumos médicos nos estados, a culpa é dos mesmos governadores, que não utilizaram dos recursos repassados pelo governo federal.

Se a crise econômica não é superada, a culpa é do congresso que não aprova as reformas necessárias para tanto.

Por último, não se ignora a ampla capacidade de mobilização das redes virtuais que o bolsonarismo possui, as quais contribuíram fortemente para o resultado das eleições de 2018 e seguem mobilizadas.

É por elas que bolsonaro busca manter sua base de apoio fiel e mobilizada. Além disso, não há entre os opositores nenhuma atuação tão desenvolta nas redes e, talvez o que tenha chegado mais próximo do uso massivo destas na arena política foi Guilherme Boulos (PSOL) nas eleições municipais de São Paulo, mas sem que se observe a continuidade da mobilização e engajamento após o período eleitoral.

Nesse terreno o bolsonarismo nada de braçada e isso pode impactar a futura disputa presidencial.

Assim, por mais que estejam sendo desvendados os mecanismos de ação do bolsonarismo, a popularidade do presidente diminua e a oposição lance novas estratégias, sendo o desenrolar da CPI capaz de desgastar mais o governo perante a população, o futuro ainda é bastante incerto.

O Trumpismo não acabou com a vitória de Joe Biden. Por aqui, muito do que se mobiliza em torno do bolsonarismo por óbvio é anterior a ele e merece ser confrontado para que, assim, possamos efetivamente vislumbrar o reestabelecimento da política.

Arthur Spada

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