O que a gente faz quando tudo fica escuro?
Quando a Gaby me convidou pra escrever quinzenalmente no Blog eu fiquei extremamente lisonjeado. Era uma oportunidade de falar, de ter voz, de poder me colocar, especialmente num sentido diferente daquele que eu estava acostumado, que é o da fala profissional, ou da escrita acadêmica. Era um espaço de colocar aquilo que eu acredito como o norte das minhas falas.
E eu tenho falado. Tenho tentado mostrar aquilo que eu acredito, que eu li um pouco, pra dividir aqui. Se em um dos primeiros textos eu tinha dificuldade em escrever em primeira pessoa, hoje entendo que não me colocar por inteiro aqui é impossível, porque aqui é o meu canto, o meu espaço de conversa, a minha mesa, onde encontro vocês.
E digo tudo isso, talvez com alguns rodeios, porque eu não sei o que eu poderia dizer essa semana que eu tô triste. E eu tô triste porque eu falo e estudo a democracia, eu defendo o quanto é importante a gente prestigiar as nossas instituições e garantir que elas funcionem plenamente, mas não é assim que as coisas têm acontecido.
Nos últimos dias o presidente ofendeu uma primeira dama – que sequer foi eleita pra esse cargo, já que simplesmente casou com alguém que escolheu essa vida – e depois disse que qualquer diálogo com aquele presidente pressupunha um pedido de desculpas para ele. Antes disso, ele já tinha posto em dúvida dados científicos, com base em nada, e motivou a demissão do então diretor do INPE. E tudo isso por conta do desmatamento da Amazônia.
Sei pouco de Amazônia. Reconheço sua importância, sua extensão e o tipo de vegetação. Mas não conheço dados. Sei pouco sobre o histórico do desmatamento, mas acredito nos dados científicos. Também não conheço as ações decorrentes do Fundo Amazônia, se são efetivas ou não. Mas uma coisa eu sei, porque acredito nela; a Amazônia é importante. E por ela ser importante, me incomoda que alguém diga que devamos explorá-la economicamente, ou que há riquezas nela que devemos buscar. Por ela ser importante, eu preferia que ela ficasse lá, como está, com suas árvores e seus animais podendo viver livremente. Me incomoda pensar que devemos capitalizar em cima dela; porque deveríamos ganhar em cima de tudo?
Segunda-feira da semana passada, eu estava trabalhando no escritório (que fica no centro de São Paulo) e olhei o dia escurecer, achei que logo viria uma tempestade. Mas ela não veio. Escureceu porque tinham partículas de queimadas vindas da Amazônia nas nuvens. Isso não me parece bom, porque eu queria que a floresta ficasse lá. E mesmo não conhecendo os dados, nunca tinha visto nenhum governante incentivar o seu desmatamento, ao dizer que se fiscaliza demais, ou que os dados não são reais, sem falar do desmonte dos órgãos de controle e proteção ambiental. O céu ficou escuro. E eu vi.
Voltando ao assunto, pra falar porque eu tô triste. Quando eu soube porque o céu ficou escuro ficar escuro, lembrei de tudo o que está acontecendo, contra as coisas que eu acredito e defendo, ou contra aquelas que eu acho fundamentais pra nossa vida. E o que a gente faz pra lutar contra isso?
O que eu faço quando nosso presidente ofende a primeira dama de outro país? Quando ele diz que questão ambiental é coisa de vegano? Quando promove uma caçada a imprensa livre e defende a prisão de jornalistas? A gente reclama? A gente sai na rua? A gente posta no facebook? Mas vale a pena? O que eu faço? Eu tô triste, desculpa.
E aí eu lembro que ele não é o único. Outro dia o governador do Rio comemorou a morte de uma pessoa, que por mais que tivesse feito algo grave, era um ser humano, devia ter mãe, avó, gente que amava ele. E ai eu lembro que não é só no Brasil.
Eu acredito que as coisas são interligadas. Eu gosto de uma entrevista do Sebastião Salgado pro Drauzio Varella que ele diz que nunca saiu da terra dele, porque ele perdeu o conceito de fronteira. Isso mexe comigo. Ele diz que percebeu que a mesma forma como o índio da tribo Zoé amava a sua família, era como ele amava a família dele. Que todos amam e todos sofrem da mesma maneira. Que o mesmo conhecimento de um índio ao atirar a flecha, é o nosso conhecimento da balística hoje. Que nós somos os mesmos, há muitos anos.
E aí ele diz que de todas as viagens que ele fez, a maior foi pra dentro dele, e que se ele pudesse ver a vida em 10 ou 100 mil anos, veria que aquelas montanhas que ele pensava ser natureza morta, eram tão vivas quanto ele. Isso mexe comigo. E mexe porque me remete algo que eu aprendi depois que vi essa entrevista pela primeira vez, que é a nossa interdependência com o mundo – não só com os humanos – com tudo que nos cerca.
Então aquela montanha que o Sebastião Salgado fala, ou a árvore que era seu plano de fundo na história com o índio, são tão vivas quanto nós, e elas permitem que nossas vidas seja como conhecemos. É porque elas estão lá, que eu estou aqui, no conforto da minha casa escrevendo. Se aquela montanha não estivesse lá, eu não sei se minha casa estaria aqui. Se aquelas árvores não estivessem lá, o que seria de nossa cidade? Quando elas queimaram, tudo ficou escuro, eu vi, eu fui até a janela e abri as persianas. Será que dá pra gente ignorar? Achar que é longe, que vai se resolver? Eu tô triste. Eu não sei o que eu faço.
Quando a Gaby me convidou pra escrever, eu queria sempre ter algo pra dizer. Eu achei que eu ia conseguir. Mas eu não disse nada hoje, porque eu quero que vocês me digam. Talvez a gente só deva ficar triste mesmo, ou a gente deva fazer uma revolução. Eu não quero mais ver o dia escuro. O mar virar sertão. Se a montanha é tão viva quanto nós, o que eu faço pra ajudar ela? Me diga, você, me ajuda. Se as coisas estão interligadas, como a gente resolve isso? Dá pra ignorar?
Desculpa a bagunça desse texto. Eu tô triste.
Arthur Spada
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ENTREVISTA DO SEBASTIÃO SALGADO CITADA: