O que as eleições no Chile nos dizem sobre a política?
As eleições chilenas chamaram atenção no noticiário de política internacional nos últimos dias. Os candidatos ao cargo de presidente e que chegaram ao segundo turno que será disputado em dezembro não vêm de partidos tradicionais e são considerados os extremos em seus polos ideológicos, um a direita, outro a esquerda.
Ou seja, o resultado mostra um certo rechaço das políticas mais ao centro e a busca da população por respostas mais contundentes às suas demandas, ao depositarem seus votos em políticos tidos como outsiders.
O que acontece no Chile, não é uma situação particular daquele país e se insere num contexto maior. Este, se relaciona com a emergência de lideres populistas de direita ao redor do mundo, como também com a ascensão de movimentos sociais que em algum momento passam a fazer parte da política institucional (caso do Podemos na Espanha) movimentando o cenário político costumeiro e os consensos estabelecidos até então. Essa situação também reflete a pergunta: o que as eleições são capazes de entregar?
Adam Przeworski, em obra recém traduzida pela editora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro,
“Por que eleições importam?” busca dar algumas respostas para essa questão. O cientista político mostra como os eleitores depositam muita confiança nos processos eleitorais, mesmo diante da incapacidade de estes de modificar substancialmente a realidade das pessoas.
Num sistema econômico capitalista, muitas questões que impactam a sociedade se situam fora da alçada de decisão dos governantes e, além disso, dada a multiplicidade de questões a serem decididas, fica difícil que o público tenha informações precisas sobre o que realmente pode ser atribuído a conduta de determinado político.
Todavia, eleições são sempre um momento de esperança e elas se constituem como um local adequado para a disputa pela prevalência de interesses. Przeworski assenta, então, que as eleições são uma forma de pacificação da sociedade, um mecanismo para que os conflitos não descambem para a guerra civil.
Mesmo que as eleições por si só sejam incapazes de responder as nossas demandas mais substanciais, isso não significa que devem ser abandonadas todas as instituições criadas no âmbito da democracia liberal.
É difícil pensar em um outro método de tomada de decisões que não leve em conta a regra da maioria, ou acreditar que o simples exercício da democracia direta solucionaria nossos problemas. Acreditar em soluções fáceis nesse aspecto não difere muito de aceitar discursos simplista de candidatos que prometem resolver todos os problemas do país, com medidas que poderiam ser tomadas no âmbito doméstico, de fácil apelo popular.
A cientista política Chantal Mouffe debate o que ela chama de “consenso de centro” que, guardadas as devidas proporções, aparece questionado nas eleições chilenas. Alguns acreditam que a sociedade teria chegado em um estágio pós-político, onde não haveria saída para a vida em comum fora da hegemonia neoliberal atual.
Seria possível apenas discutir a sociedade dentro dessa ordem, mas não fora dela. E que esse tipo de estrutura deveria prevalecer no mundo todo. Mouffe chama atenção para a necessidade de reabilitar a política que seja capaz de ir além desse conformismo e que questione as estruturas sob as quais estamos submetidos.
Dou um exemplo simplório do que ela quer dizer, para tentar tornar o argumento mais claro: frequentemente ouvimos nos telejornais como “o mercado” reagiu a determinada situação.
Mas alguma vez leva-se em conta como os trabalhadores ou organizações sociais reagiram? Porque os interesses dessa entidade sem rosto devem prevalecer sobre todos os demais?
Somos levados a naturalizar certas coisas que são criações desse sistema econômico que assegura a propriedade e os privilégios de uma parcela pequena da sociedade, ignorando que pode haver um mundo possível para além disso.
Como a autora nos mostra, a extrema direita foi mais bem sucedida em captar esse estado de coisas e dialogar melhor com as massas populares, daí a ascensão desses movimentos ao redor do globo. Não obstante, a crise da política permanece e mesmo estes tem demonstrado sua incapacidade para responder aos problemas que levam o público a confiar nesses atores.
Não preciso dizer muito sobre o Brasil a esse respeito.
Se eleições podem nos dar pouco materialmente, elas entregam muito se pensarmos que elas mantêm a sociedade em paz. Ainda assim, é preciso buscar para além delas que nossas necessidades sejam atendidas, sem que a política seja negada.
Arthur Spada
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