O AMOR É UM ESCÂNDALO!

Teatro intimo

Acabo de chegar de Lençóis, interior da Bahia.

Fui, com parte da equipe do espetáculo “Vizinhos”, fazer uma apresentação para uma escola pública, dentro da programação do FILTE (Festival Latino Americano de Teatro) da Bahia. Depois da apresentação, tivemos um bate papo com a professora e os alunos que estavam tendo seu primeiro contato com teatro.

Divido, com você que me lê agora, três questões que me vieram à cabeça, a partir dessa experiência.

Primeiro, tudo isso aconteceu de forma remota. Rafael Blasi e eu estávamos no Rio de Janeiro, João Manoel em Nova Iguaçu, Alain na Europa, a mediadora do festival, Poliana, em Salvador e a turma da escola em Lençóis.

Com o advento do teatro digital, expandido pela pandemia, nosso trabalho chega a lugares onde dificilmente chegaríamos presencialmente. Isso redimensiona nosso alcance, não só artístico, mas político também.

E propõe a primeira questão: numa sociedade em que uma parcela da população revela, com orgulho, sua face reacionária e conservadora, para que serve o teatro?

Depois, dentre tantos temas levantados pelo espetáculo (racismo, empatia, medo, perdas, identidade, ancestralidade, assédio, etc.) o que mais chamou atenção dos alunos foi o beijo final. A professora usou, inclusive, a palavra “choque” para definir a reação dos alunos.

Proponho, então, a segunda questão: o que faz com que, a partir de uma obra que, além da variedade de temas propostos, traz consigo uma proposta de diálogo entre as linguagens do teatro e do cinema, o que atravesse mais os alunos seja uma cena de amor? E mais, o que faz com que uma delicada cena de amor no teatro, captada também com delicadeza pelo cinema, tenha o poder de chocar as pessoas?

Amplio aqui para “chocar as pessoas” para não estigmatizar aqueles jovens alunos. Pois pude perceber, a partir da trajetória da peça, que, mesmo adultos com bastante acesso à cultura, também ficaram chocados com um beijo longo e amoroso entre dois homens.

E, por fim, admiro a coragem da professora que, junto com a curadoria e a organização do Festival, pautou este trabalho para uma discussão em uma escola pública.

Ela, a professora Potira, é que, a partir de agora, terá que seguir com as discussões levantadas, e enfrentar os obstáculos à expansão do conhecimento colocados pelo obscurantismo religioso e pelos preconceitos patriarcais.

O que nos traz a terceira questão: como seguir auxiliando a professora nesse diálogo com jovens, muitas vezes filhos de pais e mães religiosos, e que não conversam abertamente sobre amor e sexualidade? Ou mesmo, independentemente da religião, jovens que fazem parte de famílias onde ainda imperam os valores arcaicos do patriarcado?

Enfim, hoje trago apenas questões.

E escrevo emocionado pelo privilégio de seguir fazendo teatro e colocando em pauta a importância do amor, da delicadeza e do auto conhecimento.

Renato Farias

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E se você ainda não assistiu “Vizinhos”, aproveito para lembrar que nossa peça/filme passa nesse sábado, dia 27, às 17h no Youtube do FILTE Bahia. Você pode assistir pelo link abaixo. Será que você também vai achar uma cena de amor um escândalo?