“Pai-Manifesto”

O texto de um filho que sonha um dia ser pai…

de menina para criá-la dona do seu próprio corpo, do seu sim, do seu não, da sua subjetividade. Um tornar-se mulher livre do machismo blasfemado em amor, da violência misógina camuflada em zelo, da opressão do ventre, do matrimônio, do amém para tudo e para todos.  

 de menino para criá-lo consciente de que ser homem não o faz dono de nada, de ninguém. Um homem que cresça sem “macheza” e orgulhoso das suas vulnerabilidades, sem se contaminar pela masculinidade tóxica que faz o homem dono, a mulher posse e o mundo refém das suas vontades e caprichos.

 Certo é que não terá chá. A revelação eu terei no dia que entrar no abrigo e a criança me escolher. Não importa o gênero, a raça, a idade. A escolha se impõe sobre todas essas idealizações seletivas e preconceituosas. Sentirei e tudo fará sentido. Ela ou ele saberá quem eu sou e o pai que farei de tudo pra ser. Pai na integralidade que o papel exige, no amor presente que o ser pai muitas negligenciamos.

O momento certo a gente não espera, a gente faz. Esse conceito profético de “momento ideal” para fazer algo é uma ilusão que colocam na nossa cabeça desde cedo. A gente espera tanto que às vezes passa. Às vezes acontece também por acaso, sem preparo prévio.

Eu coloquei no meu planejamento de futuro incerto que tenho até os 40 anos (tô com 31) pra me realizar e estabilizar profissionalmente. Entenda-se aí me sustentar fazendo aquilo que eu gosto que é escrever, para adotar uma criança e criá-la participando de todos os momentos, sem terceirizar responsabilidade, sem colocar a minha paternidade no colo da avó. Quer ser pai, que seja por inteiro!

Costumo dizer que não tem como falar sobre paternidade sem falar sobre maternidade e vice-versa. É um cordão umbilical de duas cabeças. Um organismo único que nem sempre bate compassado. De uns tempos pra cá passei a notar que na maioria das reportagens dos jornais quando entrevistam mulheres e abordam nossas mazelas socioeconômicas , agravadas nos últimos anos a mãe está sempre sozinha com o(s) filho(s).

A ausência paterna já é algo tão normalizado pela sociedade que passa despercebida, um fantasma que não assombra mais ninguém. É sempre a mãe que cuida, que precisa se virar para educar, alimentar, que não pode trabalhar por não ter com quem deixar.

Dizemos que ninguém faz filho sozinho e esquecemos de dizer que isso se aplica, sobretudo, a criar o filho também.

Registrar a filiação paterna é parte integrante de uma composição muito mais ampla da condição de pai. A ele sempre foi permitido escolher. Ser ou não ser, minha opção. Fiz, renego, pago (a pensão) se eu quiser. À mãe, a histórica imposição da sua divina fertilidade, da bênção frutífera pro mundo, a doação incondicional do seu afeto, da sua existência. Maternifício.

Pai acordando assustado de madrugada, trocando fralda desajeitado, ninando o bebê pro arroto sair, dando banho, fazendo a contenção de segurança dos primeiros passos, carregando o bebê no canguru sentindo o calor do amor quentinho no peito, não deve continuar sendo tratado como uma linda exceção. É obrigação, é participar, é amar!  É preciso questionar os privilégios para mudar, na prática, comportamentos que não cabem mais.

Quero ser o pai que eu tive, mas que não foi o pai que poderia ter sido. E não se trata de mera expectativa que um lado costuma alimentar pelo outro e que, em maior predominância, descamba em frustração. Se trata do pai que ficou pelo caminho e deu aquilo que foi possível dar mesmo na ausência de um óbvio que às vezes precisa ser dito. Na falamansa ou no grito. Quero ser um pai que chegue além do que o meu foi capaz de ir. Com traumas, mas sem rancor. Na luz do farol das lembranças boas que ficam para no futuro manifestar uma paternidade de amar presente.   

 Pra quem é pai, feliz dia e o seja todo dia.

 Felipe Ferreira

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Recomendações de livros e filmes sobre o tema:

“Pai Pai” - João Silvério Trevisan (livro)

“O pai da menina morta” - Tiago Ferro (livro)

“Maternidade” - Sheila Heti (livro)

“Contra os filhos” - Lina Meruane (livro)

“Todos nós cinco milhões” - Alexandre Mortágua (filme)