Pandemia X Corrupção
O que faz um ser humano, durante uma pandemia, com tantas mazelas e mortos, ter a capacidade de subtrair dinheiro que seria aplicado na compra de respiradores e utensílios necessários aos profissionais da saúde? Onde vamos enquadrar este ser abjeto?
Onde começa toda esta história da corrupção humana? Do humano que só se preocupar consigo mesmo e resolve tirar proveito de uma situação tão alarmante?
Penso que os políticos profissionais devem se basear na seguinte definição: em um sentido social, a corrupção é como uma crença compartilhada, expandida e tolerada, de que o uso da função pública é feito para o benefício de si mesmo, da própria família e de amigos. E não é uma novidade moderna. Nós mesmos usamos das frases "rouba, mas faz”!
Por mais que eu pense neste assunto, não consigo acreditar que exista alguém tão cruel que possa usar uma situação desta para roubar. É uma palavra pesada, mas é a adequada: ROUBO! É índole? É sacanagem? Esta pessoa precisa deste dinheiro pra salvar sua vida? Esta pessoa não deve ser um ser ignorante , por que está num cargo de poder ( o que não parece ser muito precedente neste governo), sabe todas as dificuldades que os gestores estão passando para o combate a pandemia. Está dentro do sistema. Será que sua alma foi arrancada, que seu coração é de pedra?
E há tantos outros casos que podemos citar, como o desvio de verba da merenda escolar, o desvio de verba de um Hospital de Oncologia Infantil na compra de medicamentos, etc…
Penso que talvez estas pessoas nasceram sem coração, só pode! Falo coração porque simbolicamente ele foi ligado ao afeto e emoções.
Durante milênios, o coração foi considerado um órgão sagrado, centro misterioso das emoções humanas, local onde se concentram a força e a sabedoria. Enquanto os demais órgãos trabalham em silêncio, o coração vibra, dando acordes sublimes e permanentes de sua presença e, talvez por isso, tenha sido um dos primeiros órgãos de que o homem teve consciência. E ter consciência significa entender que está inserido num macrosistema, onde habitam muitas pessoas, animais e plantas. Que ele precisa viver o mais harmonicamente possível com este ecosistema. Que suas ações e atitudes são em cadeia, geram uma onda que interfere em todos ao seu redor.
A corrupção não é um detalhe, um desvio que causa impacto somente na moral social de quem a pratica, mas feta também a vida de muitas pessoas!
Fui então pesquisar o que seria um "ser corrupto", porque age desta maneira, para poder me abster de tanto julgamento. Estudar as raízes da corrupção dentro de um sociedade. Reproduzirei algumas coisas que li:
“O conceito tradicional de corrupção (do grego, diaphtheirein) trazia consigo a noção de decadência, de regressão, de não virtuoso. Ou seja, a ideia de que, por meio da doença (corrupção), vício ou qualquer outra razão, a capacidade de se alcançar o bem e a virtude decrescia (BRATSIS, 2006, p. 57). Em contraste, o conceito moderno de corrupção deixa de lado a noção de que algo é bom em si (e deve ser buscado) em oposição a algo que é mal em si (e deve ser evitado), para substituí-la pela ideia de dois tipos de interesses que são bons em si: o interesse público e o privado.
Com base nesses pressupostos, pode-se levantar então a seguinte pergunta:
Como duas coisas boas em si, os interesses público e privado, uma vez misturadas, podem constituir algo mal, isto é, corrupto?
Uma possível resposta a tal questão seria trabalhar a ideia de corrupção como algo fora-de-lugar (DOUGLAS, 1966). Por exemplo, um par de sapatos no seu devido lugar seria considerado limpo (não corrupto), mas uma vez posto em cima de uma mesa de jantar seria considerado sujo (corrupto). Poder-se-ia inferir, então, que tanto os interesses públicos, quanto os privados são bons ou não-corruptos na medida em que se mantenham em seus devidos lugares.
A contaminação do público pelo privado surge precisamente quando se verifica a promiscuidade de ambas as esferas. Políticos e a política, ela mesma tornar-se-iam corruptos por haverem transgredido a separação categórica entre o público e o privado. A concepção moderna de corrupção é, portanto, muito mais próxima da ideia de adulteração do que da deterioração da capacidade para o bem (diaphtheirein): um vinho se adultera (corrompe) pela presença de outra substância, como a água, por exemplo. Percebe-se, assim, que tanto no sentido clássico quanto no moderno, há uma distinção normativa do que seja corrupção política ao se estabelecerem condutas desejáveis e indesejáveis.
Para os gregos, características específicas do cidadão, dos governantes ou do regime são postas em contraste com outras características consideradas, más ou indesejáveis de acordo com uma certa realidade. Já os modernos estabeleceram uma divisão estrita entre o público e o privado. Qualquer fenômeno que atente contra tal divisão é considerado corrupção política.” ( Orlando Lyra de Carvalho Jr.)
“Mediante o estudo de nosso comportamento evolutivo e a resolução de dilemas morais, foi observado que não importam a cultura, idade, classe social e religião, o homem é corrupto por natureza: pensa primeiro no bem próprio e depois considera regras morais e sociais; suas punições e suas percepções. Não realizar atos de corrupção implica uma atitude pró-social frente a uma atitude que visa exclusivamente o bem individual. A lei e o olhar social influem positivamente em nossa conduta.
A corrupção é uma condição já que, se é uma decisão individual cometer atos desse tipo, na realidade não se trata somente de uma conduta singular desviada. Em outras palavras, não existem seres humanos corruptos, mas uma sociedade corrupta na qual os seres humanos (dispostos à corrupção) agem.
Todos os países têm corrupção e seres humanos corruptos. A diferença, em parte, está em quanto à corrupção é tolerada nessa sociedade.
Há uma frase famosa em teoria política cuja análise pode ajudar a aclarar este conceito. Lord Acton afirmou que "o poder tende a corromper - e o poder absoluto corrompe absolutamente". Com essa afirmação sobre o poder político, Lord Acton disse que a autoridade política, nas sociedades humanas, em função apenas e tão somente de sua existência, tende a danificar as relações entre seres inicialmente dotados de igualdade. Inicialmente, "o poder tende a corromper" porque o poder político faz de seu detentor uma pessoa diferente das demais cercando-a de símbolos, distinções, privilégios e imunidades que sinalizam sua hierarquia superior.
Na questão pública, Calil Simão explica que a corrupção política corresponde:
“ao uso do poder público para proveito, promoção ou prestígio particular, ou em benefício de um grupo ou classe, de forma que constitua violação da lei ou de padrões de elevada conduta moral.” Que não existe corrupção política sem haver corrupção social, ou seja, primeiro a sociedade se corrompe para posteriormente corromper o Estado. A corrupção social se apresenta sempre que o indivíduo não consegue sacrificar um interesse particular em prol do interesse coletivo.
Assim como o Estado, também a Igreja Católica sentiu a necessidade de distinguir entre os poderes inerentes ao ônus da função e as características muito precárias da natureza humana em sua busca de exercer o poder. A santidade da função eclesiástica ou o poder do cargo político são incompatíveis com a fragilidade da natureza humana. Assim, tanto a Igreja quanto o Estado são instituições que somente podem sobreviver de maneira não corrupta se seus membros detentores de poder fossem moralmente perfeitos. Isto é, se fossem santos ou estadistas. No entanto, estas condições são ideais e não reais. No caso do homem político, a fraqueza de sua natureza humana tende a distorcer a personalidade do seu cargo de poder e o leva, enquanto autoridade em função pública, a apropriar-se privadamente dos poderes inerentes ao cargo e não à sua pessoa."
Só poderá se manter puro ou livre de corrupção se houver mecanismos de segurança que garantam a separação das duas esferas de interesse, a pública e a privada.
Mas sem punição, exemplos e sanção social, a corrupção pode se transformar em norma estabelecida. Não existem desculpas e tempo que a apague. Devemos estar convencidos e convencer de que a corrupção também é um crime.
Hayde Haviaras
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A Coisa Pública e a Privada
por Affonso Romano de Sant’Anna
Entre a coisa pública
e a privada
achou-se a República
assentada.
Uns queriam privar
da coisa pública,
outros queriam provar
da privada,
conquanto, é claro,
que, na provação,
a privada, publicamente,
parecesse perfumada.
Dessa luta intestina
entre a gula pública e a privada
a República
acabou desarranjada
e já ninguém sabia
quando era a empresa pública
privada pública
ou
pública privada.
Assim ia a rês pública: avacalhada
uma rês pública: charqueada
uma rês pública, publicamente
corneada, que por mais
que lhe batessem na cangalha
mais vivia escangalhada.
Qual o jeito?
Submetê-la a um jejum?
Ou dar purgante à esganada
que embora a prisão de ventre
tinha a pança inflacionada?
O que fazer?
Privatizar a privada
onde estão todos
publicamente assentados?
Ou publicar, de uma penada,
que a coisa pública
se deixar de ser privada
pode ser recuperada?
— Sim, é preciso sanear,
desinfetar a coisa pública,
limpar a verba malversada,
dar descarga na privada.
Enfim, acabar com a alquimia
de empresas públicas-privadas
que querem ver suas fezes
em ouro alheio transformadas.