Para não esquecer
Ontem foi o dia de celebrarmos o Orgulho LGBT+.
Constantemente estou escrevendo aqui sobre violências e mais violências que assolam as pessoas LGBT+ e suas famílias.
Não é por acaso que a gente acaba se prendendo a essas situações, uma vez que não é novidade para ninguém que o Brasil é o país mais hostil do mundo para essa população.
Mas, a despeito de tanta coisa ruim acontecendo nos dias de hoje, é importante relembrarmos e homenagearmos aqueles que vieram antes de nós em sua luta.
Todo ano, durante o mês de junho, a nossa comunidade celebra o orgulho, em memória ao aniversário da chamada Revolta de Stonewall (NY, 1969).
Para quem não conhece a história, existe um bar em Nova York chamado The Stonewall Inn, que era frequentado pela comunidade LGBT+ (à época denominada simplesmente “comunidade gay”), e que constantemente sofria ataques e batidas policiais. Até que um dia aquele pessoal não aguentou mais, e resolveu então revidar aos ataques violentos da polícia.
O confronto durou alguns dias, e as reivindicações eram de que pudessem frequentar locais públicos sem risco de serem presos, discriminados ou agredidos.
As protagonistas dessa revolta foram as travestis, mulheres trans e lésbicas, que ficaram à frente do movimento, resistindo, com destaque a Marsha P. Johnson e Sylvia Rivera.
Esse dia é realmente um marco do movimento de liberação LGBT+ e do ativismo, com o surgimento de organizações, associações em todo o mundo, principalmente ao pensarmos em uma época em que não havia ainda qualquer direito assegurado.
Apesar da importância desse dia e desse evento para a nossa luta, estando em um país tão problemático politicamente e socialmente como o Brasil, não é possível deixarmos de lado a complexidade da história do movimento LGBT+ por aqui.
O movimento organizado de pessoas LGBT+ se consolida e se intensifica nos anos 1970, ou seja, em plena ditadura militar, sendo pioneiro o grupo SOMOS (Grupo de Afirmação Homossexual), fundado em 1978 em São Paulo.
Abrindo um parênteses, apesar de o grupo aparentemente ser protagonizado por homens gays, ao longo dos anos passa a ser dada a devida visibilidade às lésbicas, aos bissexuais, às pessoas trans (como termo guarda-chuva), e às demais identidades e sexualidades que hoje estão contempladas no (+) de nossa sigla.
Como estávamos em meio ao período militar, o movimento também se organizava politicamente, uma vez que é impossível dissociar a ausência de direitos e a violência institucional da própria política de estado.
Temos então o primeiro jornal brasileiro com temática “homossexual” (como se dizia à época) - “O Lampião da Esquina”, que foi fundado em 1978, cujo editorial da 1ª edição dizia: “Dizer não ao gueto e, em consequência, sair dele”.
Além de fazer oposição à ditadura, a publicação servia para denunciar abusos contra a comunidade, como a prisão arbitrária ou internação de LGBT+ devido à sua orientação sexual ou identidade de gênero, além de abrir espaço para outros marcadores sociais, como a questão racial e indígena.
Outro jornal de muita importância histórica foi o boletim “Chanacomchana”, criado e protagonizado por mulheres lésbicas e feministas em 1981, que tinha como temas centrais as questões feministas e lésbicas. Esse boletim foi uma publicação dos coletivos que formaram os grupos Lésbico-Feminista – LF e posteriormente a Ação Lésbica-Feminista – GALF.
Esse segundo jornal era distribuído no antigo Ferro’s Bar, localizado no centro de São Paulo – acontece que os donos do bar se incomodaram com esse conteúdo, expulsando e proibindo que as mulheres lésbicas frequentassem o local.
No dia 19 de agosto de 1983, manifestantes fizeram um ato político no local e conseguiram reverter a proibição. Esse evento é chamado por muitos como Stonewall brasileiro, mais uma vez contando com o protagonismo das mulheres! Anos depois foi eleito como o dia nacional do Orgulho Lésbico – (em agosto a gente pode voltar a falar sobre isso).
E em mais um mês do orgulho, que a gente se lembre daquelas e daqueles que protagonizaram as primeiras grandes lutas pelas conquistas dos nossos direitos, que começa a se concretizar em nosso país há exatos 10 anos, quando celebramos uma década do reconhecimento de uniões homoafetivas como entidades familiares pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o que gerou uma série de outras decisões históricas na concretização dos nossos direitos.
Então como eu disse no começo desse texto, a despeito das violências e marginalização social que ainda nos é imposta, eu peço a licença para celebrarmos e agradecermos aos nossos antecessores na luta!
Fernanda Darcie
Instagram @fernanda_darcie
Siga no instagram @coletivo_indra