País do carnaval ou da hipocrisia assassina?

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Há uma semana, realizamos a primeira Roda de Conversa deste blog, em São Paulo. Destaque absoluto para as falas de Andréa Brazil, também nossa colunista.

Andréa parte do orgulho que sente em ser travesti para nos ensinar sobre não aceitar os lugares de exclusão impostos pela sociedade. Se você não é uma pessoa trans, talvez não vá sentir nunca na pele o que ela fala. Se você, além de ser trans, for uma pessoa negra, sentirá ainda mais profundamente.

É assim que funciona nosso requintado sistema de exclusão. Tão requintado quanto cruel, associa formas de exclusão que acabam resultando em maior discriminação. A discriminação aumenta quanto mais você se afasta do padrão de poder que é masculino, branco, cisgênero e heterossexual.

Homens brancos heterossexuais, por exemplo, vão levando a vida sem nunca encontrar uma porta fechada, ou receber uma agressão gratuita ou ainda correrem o risco de serem mortos apenas por serem quem são. 

Por isso, alguns homens brancos heterossexuais são tão cínicos em desdenhar os preconceitos que, nós, homossexuais sofremos, a ponto de propor o dia do orgulho heterossexual ou sugerir termos como heterofobia.

Se forem pobres, entenderão em alguma medida o que falo. Pois faz parte do nosso requintado sistema, também, olhar para as pessoas pobres, especialmente se estão em situação de rua, como se fossem criminosos prestes a assaltar, estuprar ou matar alguém. Essa talvez seja uma marca fundamental para entender como funcionamos como sociedade neste país.

A pobreza é vista, por grande parte da população brasileira, como algo a ser exterminado. Não no sentido de combatê-la, como se buscou fazer com o avanço das políticas sociais das últimas décadas, mas prendendo as pessoas pobres, mantendo-as em lugares distantes, onde não há acesso aos bens e serviços públicos, ou assassinando-as sempre que possível.

Somando isso tudo, passamos a entender por que, para a manutenção deste sistema, é necessário manter as pessoas negras e trans o mais pobres possível. Afinal, se não são brancas e nem cisgêneras, é necessário lhes retirar toda a dignidade e cidadania para, mais facilmente, exterminá-las. E isso acontece, muitas vezes, com o aval e estímulo de governantes, como se observa no discurso do atual governador do Rio de Janeiro e do atual chefe do executivo nacional.

Esse é o retrato do chamado “país do carnaval”, que, por muito tempo, se orgulhou de ser conhecido também como o país da “democracia racial”.

No “país do carnaval”, os homens brancos heterossexuais podem se vestir de mulher nos 4 dias de folia e reproduzir os piores estereótipos ligados ao feminino. Acham que estão expandindo suas fronteiras de civilidade; quando, ao contrário, estão sublinhando e reforçando o quanto são limitados e preconceituosos na compreensão do que é ser feminino.

Já no país da “democracia racial”, as famílias brancas tradicionais brasileiras seguem tratando suas empregadas negras como “da família”, sem, sequer, assinar sua carteira de trabalho ou reconhecer seu direito a férias e a um salário digno.

Enfim, mais apropriado seria chamar este país de: país da hipocrisia assassina.

Se você acha um exagero, é bom lembrar que somos o país que mais mata transexuais no mundo. Mesmo levando em conta os cerca de 70 países onde ser gay é considerado crime. A expectativa de vida desta população no Brasil é de apenas 35 anos, menos da metade da média brasileira, que é de 75,8 anos, segundo dados de 2017 do IBGE. Enquanto isso, somos também o país que mais consome pornografia trans.

Brasil, país do carnaval e da democracia racial ou da hipocrisia assassina?

Renato Farias 

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