Próxima parada: LGBTQ+

Marcos Magno

Marcos Magno

Um arco-íris de São Paulo à Salvador.

Eu fui a Parada Gay em dois momentos distintos da minha vida. No primeiro deles ainda como heterossexual, movido pela curiosidade em ver de perto os looks extravagantes e a explosão de cores nas makes. No segundo, já havia encontrado - e aceito - minha homossexualidade. Me senti entre os meus, no meu habitat, imune a qualquer preconceito, repressão ou violência. Só mais tarde entenderia que não era bem assim.

Sua primeira edição aconteceu em 1997 reunindo cerca de 2.000 pessoas na Avenida Paulista. Hoje, as bandeiras ganharam novas cores, as pautas novas demandas e a Parada LGBT de São Paulo se tornou o evento que mais atrai turistas à cidade.

Com o passar dos anos as paradas das principais capitais brasileiras se fortaleceram e se transformaram na expressão de maior representatividade da comunidade LGBT. O movimento reúne de forma democrática gays, lésbicas, bissexuais, transexuais, travestis e pessoas simpáticas/empáticas com a luta pela igualdade de gênero em sincronia ao discurso de respeito a diversidade.

Por aspectos geográficos, econômicos e culturais, coube a bandeira da capital paulista - incluída no "Livro dos Recordes" ("Guinness Book"), como a maior do gênero no mundo reunindo 2,5 milhões de participantes - levar a luta a um espaço de maior visibilidade e reflexão. A pluralidade característica da metrópole paulistana é solo fértil para um movimento cada dia mais politizado, consciente da sua existência e da necessidade de ir além da “fechação”, do lacre. Ocupar as ruas num domingo - dia da tradicional reunião em família - é simbólico e potencializa o discurso inclusivo e igualitário de uma resistência cotidiana onde muitos precisaram morrer pra que muitos outros tivessem o direito de estar ali lutando pelo direito a vida, a ser quem se é e de amar quem se quer.   

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A 23º Parada do Orgulho LGBT+ de São Paulo acontecerá no dia 23 deste mês com uma homenagem aos 50 anos de Stonewall. A rebelião é um marco na luta dos direitos LGBTs em todo o mundo. Foi ali que a passividade diante as agressões saiu de cena, dando lugar a coragem e ao orgulho necessário para transformar preconceito em luta.

A invasão da polícia de Nova York naquele 28 de junho de 1969 no bar Stonewall Inn (um dos poucos espaços a aceitar a presença gays, lésbicas, trans ou drag queens), localizado em Manhattan, foi o estopim que tirou a comunidade da sombra marginal e criminosa imposta por uma sociedade conservadora rumo ao front de batalha.

Minha experiência ativista in loco se restringe a parada de Salvador. Faz um bom tempo que não a frequento. Mesmo limitada, essa vivência me faz refletir sobre o que vejo - ainda que pela interlocução do olhar jornalístico - mas, principalmente, sobre o que se faz ausente. Esse diálogo entre passado e o agora é uma das coisas que mais sinto falta na Parada Gay soteropolitana. Entra ano, sai ano, a impressão que fica é de que o movimento é refém dos trios e das atrações musicais que dão close durante o percurso. Muita cena, pouco debate!

A lucidez histórica, fundamental na quebra de estruturas e preconceitos culturalmente arraigados, poderia se construir na escolha do tema e ser difundida na montagem de uma programação pré-parada recheada por rodas de conversas, debates, assistência e acolhimento a lgbt’s em situação de vulnerabilidade social, por exemplo.

Um tom mais informativo, mais instrutivo, seria um passo eficaz para transformar o imaginário farsesco que permeia a representação da parada LGBT na conjuntura dos seus signos e significados. Trazer as pessoas para dentro do cotidiano da comunidade quebraria a lente reducionista que mostra o evento como uma “Rainbowfolia” (um carnaval fora de época). Fazer de um ato de resistência uma passarela de apreciação do exótico, um picadeiro circense que aflora a catarse da alegria e do despudor é apagar tudo que já foi conquistado até aqui com muito suor e sangue.

Recentemente, o  Atlas da Violência, lançado pelo Ipea e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, mostrou que as denúncias de homicídios contra LGBT’s mais que dobraram na Bahia. Segundo os estudos,o volume de denúncias de assassinatos saltou de sete em 2016 para 18 no ano seguinte (aumento de 157,1%). Também cresceram as denúncias de lesão corporal, que saíram de 18 para 22 no mesmo período. E ainda que o número total de denúncias feitas por LGBTIs tenha caído 20% entre estes dois anos (a quantidade saiu de 91 para 72), os crimes de ódio tem se agravado nos últimos anos sob o aval da invisibilidade com que o assunto é tratado e da impunidade que insiste em vender crime como opinião.

Em meio a essa colisão de estética, estrutura e comportamento entre Salvador e São Paulo, o concordante, é que não podemos deixar a Parada LGBT+ ser apenas o passe livre anual concedido pela heteronormatividade opressora para que possamos extravasar nossos desejos mais “incomuns”, enquanto nos demais dias do ano somos adestrados a seguir a cartilha da família, da moral e dos bons costumes. Nosso direito de amar e ser feliz não deve ser uma concessão. A diversidade é parte onipresente da existência. É preciso conviver com ela e ver o diferente no outro como a projeção da nossa própria subjetividade no mundo.        

Ser quem somos é uma obrigação que temos conosco e com o nosso passado!    

Felipe Ferreira

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