Sobre padecer no paraíso
Quando nascemos os padrões de comportamento sociais já são impostos e absorvidos direta ou indiretamente: “menina, fecha as pernas.”, “menino larga essa boneca que isso não é brinquedo pra você “Menina, se comporta!!!”, “menino macho é assim mesmo!!!”, e por aí vai... São tantas as caixinhas construídas e vendidas como ideal que a gente não consegue nem mais discernir de qual estamos dentro ou de qual estamos fora. E ai daquele que ficar de fora...!
Nós, mulheres, por exemplo, aprendemos que todas queremos ser mãe antes mesmo de sabermos o que queremos ser na vida e a partir dai sim, descobrirmos se a maternidade caberá no caminho escolhido ou não. Não! Isso é praticamente uma heresia!!! Então, ok! Seremos mães! É claro que sim! E aí vem outro peso: mãe é sinônimo de perfeição. Vão nos empurrando um monte de verdades absolutamente contestáveis.
“O parto é a coisa mais linda do mundo" – mentira! Nem sempre! É uma dor dos infernos! No normal e na cesárea pois no pós parto você não pode nem tossir sem achar que seu ventre vai se romper.
“Logo que a criança nasce, nasce junto um amor incondicional” – será? Ou te repetem tanto isso que vc acredita? E ai? E quando você não se sente dessa maneira? Quando os sinos não tocam e seu coração não explode de felicidade? E quando, naquele instante você só sente um misto de medo e de surpresa e entende que o amor é algo que se constrói com o tempo? Você é menos mãe por isso? Você ama menos por isso?
Junto com a maternidade nascem também todas as culpas e inseguranças, e medos que ninguém te contou porque a maternidade é vendida como um comercial de margarina da década de 90. É como se a partir daquele momento você deixasse de existir e passasse a ser um ser criado pela expectativa do outro que nem ao menos é aquele que saiu de você. A gente passa a só se preocupar em não errar porque acertar, minha filha, já vira lucro. Pois sempre vai ter alguém pra dizer que você podia ter feito melhor.
Junto com o bebê nasce a MÃE SOCIAL! Que vive num conflito interno e constante com a MÃE POSSÍVEL. Aquela que sente dor, que sente sono e fica puta de ter que levantar; aquela que chora porque não sabe o que fazer, ou porque não entendeu a lição de matemática. Aquela que não quer parar o filme no meio pra fazer o sanduíche que ele ou ela pediu. Aquela que gostaria muito de ficar relaxando debaixo do chuveiro por, no mínimo, cinco minutos sem ter que ouvir “mãããe posso entrar?”. Aquela que briga com o filho(a) as 8h da manhã porque ele(a) não aprendeu a pentear o cabelo ainda (mesmo que ela ensine todo dia) e está fazendo charminho no banheiro quando ela já está atrasada pra sair de casa. Aquela que fica horas dando uma bronca pra não bater e depois se sente uma merda e culpada achando que pegou pesado nas palavras e a criança, agora, vai ter que fazer terapia. E são apenas 8h15 da manhã...
Isso ninguém te conta. Essa maternidade real, cotidiana, estressante, sufocante que faz parte da vida e que não te torna menos gente ou menos mãe por se sentir assim! Não deixamos de ser humanos e nem passamos a ser uma divindade a partir do momento que nos tornamos mães! Continuamos repletos de nossos desejos, inseguranças, anseios, vaidades, qualidades e defeitos. Somos mães e humanas! De carne, osso e sentimentos. Vamos errar, vamos acertar, vamos errar querendo acertar e vamos acertar querendo errar. Vamos vivendo e aprendendo a viver.
Porque maternidade pra mim é isso: viver e aprender a viver no outro. É ter uma parte de você materializada colocando a prova suas crenças, valores e verdades. Te forçando a rever seus conceitos, encontrar outros e melhores caminhos e, as vezes, passar por um verdadeiro inferno até achar o melhor possível. E ir vivendo... não tem jeito certo! Não tem uma fórmula exata, não tem erro. Tem tentativas... tem amor real. Por que é construído a cada dia. A cada passo. A cada sorriso recebido da criança, a cada vitória dela compartilhada contigo, a cada medo ou insegurança vencida e superada. E isso só o tempo dá! A possibilidade de se ver melhor ou apenas de outra forma, no outro. O estreitar dos laços e a alegria de ser em si e de estar no outro.
Ser mãe é padecer no paraíso da melhor maneira possível...
Tati Tibúrcio
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