Tatiana, Clarice e o Tempo

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Minha amiga Tatiana Tibúrcio, também colunista deste blog, escreveu, esta semana, sobre o tempo. Ou melhor, sobre como, de repente, algo nos faz perceber o quanto mudamos com o tempo. Impossível, para quem passou de uma certa idade, não se identificar com esse “pasmo” que é perceber, “de uma hora para outra”, que já não somos tão jovens...  Mas, como uma mulher sábia que é, Tatiana relata que também há ganhos na maturidade.

Quando mais jovem, eu observava o comportamento de algumas pessoas mais velhas. Não iam a baladas, não abusavam de alguns prazeres e, muitas vezes, preferiam ficar em casa em vez de um programa coletivo na rua. Eu pensava que ficaria muito triste quando chegasse nessa idade com todas essas restrições. Ledo engano.

Há um caminho possível onde o tempo pode ser nosso aliado. Vamos nos relacionando de outra forma com a vida. Ficar em casa no lugar de sair para uma balada pode ser uma escolha. Não um sofrimento, como parece quando somos adolescentes. 

O fato é que, encarando a vida com coragem, o respeito aos limites físicos pode somar-se à possibilidade de fazer estatísticas com a própria vida. Quantas vezes fiz determinada coisa achando que chegaria a determinado lugar. E não cheguei. Talvez seja mais sensato tentar de outra forma. Ou aceitar que aquele lugar não fará parte de minha história. 

Há outras coisas, também vamos entendendo, que são vitais para a existência. Estas passam a ser prioritárias, ganhando, inclusive, mais destaque no uso do tempo para cultivá-las.

Ler, para mim, é uma das melhores formas de namorar o tempo. Acabo de (re) ler muitos livros de Clarice Lispector para gravar um programa sobre sua obra. Clarice, como diz Caio Fernando Abreu, escreve por dentro... Entre seus temas preferidos estão: o tempo presente (o aqui e o agora), o diálogo entre o material e o espiritual e a finitude como algo que pode ser tão misterioso quanto banal.  

Várias possibilidades se abrem quando se aceita as palavras de Clarice. Mesmo que, muitas vezes, pareça difícil entendê-las. A humanidade que sua literatura atinge nos iguala na beleza e na fragilidade de estarmos vivos. Ela comemora, ao mesmo tempo em que se espanta, com o inesperado. Se apreendermos a capacidade de viver o tempo presente como um presente raro, então acharemos vestígios do espiritual. 

JÁ A ESPIRITUALIDADE NÃO É PRIVILÉGIO DAS RELIGIÕES. ALIÁS, EM ALGUNS LUGARES DITOS RELIGIOSOS, MUITAS VEZES, NÃO HÁ SEQUER VESTÍGIOS DE ESPIRITUALIDADE. 

O espiritual só é acessível para quem sabe abandonar a materialidade como soberana do tempo. Se o cabelo embranquece, o olhar aprofunda. Se o cansaço chega mais rápido, a paz também pode chegar. Paz de não lutar contra o inevitável. Paz de apreciar o simples como poderoso. Paz de estar com quem se ama, sabendo que nada nem ninguém é para sempre. Paz de saber que não resolveremos todos os problemas do mundo. 

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Clarice pode ensinar muito. E não era sua pretensão ensinar nada a ninguém. Ela apenas jorrava na escrita o mesmo “pasmo” que inspirou Tatiana. A escritora nos deixou na véspera de completar 57 anos.

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Tatiana, por sua vez, também ensina muito. É um privilégio partilhar momentos da vida com ela. No entanto, serei discreto sobre seus poderes. Se você ficou muito curioso, basta ler suas colunas quinzenais neste blog.

E como diz Clarice, “não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento”...

Renato Farias

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