Transições, pontes e olhares

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No último dia 17 celebramos em nossos templos o Rito de Ohigan, cerimônia realizada nos equinócios de outono e primavera, nos meses de março e setembro. Este termo significa “Aquela Margem ou Outra Margem”. Aqui no Brasil foi início de outono, no Japão é primavera, mudança de estações, transições, florada das cerejeiras por lá, manacás-da-serra e ipês-roxos por aqui, temperaturas amenas, plantios, colheitas, momentos de renovação ou de encerramento.

O Ohigan tem alguns significados. O mais importante deles é a passagem desta margem à Outra Margem, ou seja, uma travessia do mundo profano ao mundo Sagrado, do mundo do sofrimento ao mundo da Iluminação. Este ensinamento diz que o Buda nos convida a atravessar à sua Terra da Iluminação para de lá, da Outra Margem, enxergarmos nossas vidas aqui, nesta margem obscura do Samsara*. Pelo olhar da outra perspectiva consigo visualizar quem eu sou e o que sou, um ajustar da visão por um outra ângulo, é o olhar pelo olhar do Dharma**.

Quer um exemplo bem simples? Dizem que a parte mais bonita das cataratas do Iguaçu está na margem brasileira, porém é preciso atravessar ao lado argentino para ver a beleza do nosso lado! Igualmente, o Buda nos chama a ver a vida lá do outro lado por um mundo de elucidação, de iluminação! Não que o Buda seja argentino, neste caso!

Neste período é comum no Japão as pessoas visitarem seus entes queridos nos cemitérios. A Outra Margem significa também o mundo aonde todos retornamos e nos reencontramos. A morte ensina a vida, ela nos faz refletir sobre nossas ações, mesquinhices, soberbas, egoísmos, ganâncias, ou seja, a finitude que se depara com a Infinitude e nos faz indagar o que estamos realizando neste momento. Você não precisa ir a um cemitério, basta observar a si - seu pensamento, sua fala e sua ação. Se nos deixarmos arrastar pelo rio desenfreada da mente partiremos nas águas das paixões impulsivas, ambiciosas, rotuladora e competitiva. Eclipsamos, assim, a compaixão, a tolerância, a paz, o coletivo.

Na Outra Margem não há ignorância, não havendo ignorância, não há desejo, não havendo desejo não há apego e não mais sofrimento. A Outra Margem é a Terra do Buda da Luz e Vida Infinita, chamado Buda Amida, uma Terra Pura da Serena Tranquilidade. E o despertar para esta Terra se faz duplamente, como ensina Shinran, mestre de nossa ordem: o despertar sobre si e sobre o Dharma. Essa Terra não é apenas um lugar a que se vai, mas também nosso estado mental, nosso viver cotidiano aqui e agora.

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Não precisamos pensar só na morte física, mas na morte da nossa ignorância, o ignorar sobre si. Por sermos seres limitados por nossos anseios e sobretudo apegos essa travessia é, contudo, proporcionada pela Infinita Compaixão do Buda a qualquer ser, indiscriminadamente, que desejar se refugiar, renascer em sua Terra Pura e seguir de lá ao Nirvana. É o Infinito vindo ao encontro do finito. O meu eu finito só pode ser movido Infinito.

Outro significado de Ohigan é o Caminho do Meio, entramos em uma estação mais tranquila, o calor se faz menos presente. É como a flexão da corda do violino, se muito frouxa não produz nota, se hiper estendida, arrebenta. Ou seja, nem 8, nem 80!

Entramos no outono, já perceberam em São Paulo e ou no interior diversos manacás-da-serra e ipês-roxos floridos?! E a árvore futuramente seca do inverno parecerá sem vida, como nossos erros que encobrem o brilho da nossa budeidade. Contemplemos o renascer das flores como possibilidade das nossas próprias vidas! Ouve renascer? Onde estava a flor antes de ser flor?

*Samsara - o mundo profano, de nascimentos e mortes, desejos e apegos, de sofrimentos mesmo em meio às alegrias.

**Dharma - conjunto de ensinamentos do Buda e leis universais inerentes à vida como causa e efeito, impermanência, interdependência e tantos outros.

Com os olhos toldados pelas paixões, não vejo a Luz que me envolve e abraça;

Mas a Grande Compaixão, sempre incansável, constantemente ilumina minha pessoa.

Jodo Wasan, versos compostos por Mestre Shinran.

Gassho 

Rev. Jean Tetsuji 釋哲慈
Templo Nambei Honganji Brasil Betsuin
www.amida.org.br

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Dica do Coletivo indra

“Al otro lado del río” - Jorge Drexler