Um novo capítulo da tragédia brasileira: o presidente está mais forte.

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Diversos foram os fatos políticos que marcaram o início do ano de 2021. Muitos eventos podem ser a centelha de uma mudança que levará países e regimes para outro patamar de sua história. Outros, representam um novo capítulo dentro da cadeia de causas de uma narrativa que já vem se desenvolvendo. Nessa semana, a vitória dos congressistas que contaram com o amplo apoio do presidente para a eleição das presidências das casas legislativas que compõe o nosso Congresso Nacional, marca um novo capítulo para a gestão Bolsonaro.

Diferente de outros momentos da nossa história recente, essa escolha dos presidentes da Câmara dos Deputados e o Senado Federal atraiu maior atenção dos brasileiros. Um dos motivos é por acontecer após a gestão de Rodrigo Maia à frente da Câmara, na qual este teve certo protagonismo político em razão de seus embates com o executivo, ainda que o relacionamento tenha verdadeiramente sido de um longo morde e assopra. Assim, o noticiário deu amplo destaque à disputa na Câmara, onde o bloco de Maia, na figura do candidato Baleia Rossi rivalizou com aquele apoiado pelo Planalto. No Senado, por ter o seu agora ex-presidente Davi Alcolumbre maior proximidade com o Executivo, a disputa foi mais discreta e o resultado já era mais esperado.

Não se ignora que este momento também serviu para, em virtude da trágica gestão do Governo Federal no combate da pandemia e os diversos impactos decorrentes, fomentar a discussão sobre a abertura de processo de impeachment contra Bolsonaro. Chegou-se a cogitar que Maia daria seguimento a um dos pedidos como seu derradeiro ato no cargo, como também se analisou qual seria o comportamento do eleito com relação aos mais de 60 pedidos que aguardam apreciação do presidente da Câmara dos Deputados.

O presidente interferiu diretamente nessa disputa e prometeu cargos numa reforma ministerial, além da liberação de mais de três bilhões de reais em emendas parlamentares, para deputados e senadores que declarassem apoio ao seu candidato. Estes, parlamentares que fazem parte daquilo que se convencionou a chamar de “Centrão”, o bloco fisiológico posicionado à direita no espectro político. O resultado foi positivo para o Executivo e ambos os eleitos o foram com folga.

Até meados de 2020 o título de estelionatário eleitoral não era apropriado para Bolsonaro. Toda a incompetência demonstrada ao longo dos 28 anos como parlamentar medíocre, a truculência, o pouco compromisso pela institucionalidade e decoro dos cargos, além da quase inexistente disposição ao diálogo não chocaram quem havia prestado mínima atenção no que tal figura oferecia e apresentava – restando apenas a possibilidade de se lamentar.

Todavia, o discurso da “nova política” logo envelheceu e o ocupante da presidência foi obrigado a fazer concessões cada vez maiores ao bloco, contornando a catástrofe que é a sua presidência desde o início e as crises políticas criadas por ele próprio. Foi à saída de Sérgio Moro, em abril do ano passado, que havia motivado a até então maior aproximação do presidente com esses partidos, a qual foi aumentando ao longo do ano. Com a vitória dessa semana, agora é indisfarçável a consolidação dos laços com aquilo que ele próprio repudiou ao longo da campanha.

É necessário estabelecer que a construção de uma coalizão de governo, com os partidos que ocupam as cadeiras do poder legislativo está longe de ser um problema. Esta, é a forma de organização que possibilita a governabilidade em países onde o partido do chefe do executivo não consegue alcançar de forma a maioria das cadeiras de um parlamento, que lhe permita a aprovação de leis de interesse do seu governo com facilidade. O diálogo e o consenso são essenciais na formação destas coalizões e também para a durabilidade delas, as quais estão presentes tanto em regimes presidencialistas como parlamentaristas.

A questão aqui reside naquilo que motiva essa união de partidos em torno de Bolsonaro, para dar sustentação ao seu governo. Não é a defesa em prol de determinadas políticas públicas que beneficiem a população, mas uma desavergonhada tentativa de destruição de nossa civilidade e de todas as políticas de proteção social que foram erigidas com muito esforço, ao longo dos últimos 30 anos.

Bolsonaro é decorrência do assalto ao poder que se iniciou com o impeachment da presidenta Dilma e se aprofundou com as medidas econômicas tomadas durante a gestão de Michel Temer, dentre as quais se destaca sobremaneira a imposição de um teto de gastos para investimentos públicos.

Ao mesmo tempo, por não ser um processo completamente controlado, no qual se pretendeu dar ares de legalidade com a eleição popular, ele representa um resultado não completamente antecipado, que mesmo com tudo de perverso que traz em si, não deixou de contar com a simpatia das camadas privilegiadas.

E essa figura rasteira é quem agora possibilita a consolidação do projeto de desmonte de um estado promotor de direitos, que nasce com a Constituição de 1988 e tem seu apogeu durante os primeiros governos do Partido dos Trabalhadores. Quando as condições da conciliação de classes promovida pelos governos petistas se exauriram, não havendo espaço para ganho de todos os lados, rapidamente as camadas populares foram subjugadas e obrigadas a capitulação para a manutenção dos privilégios da elite econômica, que sempre foram as vencedoras nesse embate.

Tal projeto de poder somente foi possível com a retirada das camadas populares do debate político e o sufocamento dos espaços que, duramente e de forma precária, haviam sido conquistados. Mais do que a vitória de uma visão de mundo numa disputa justa entre adversários, foi necessária a completa eliminação do inimigo.

Nesse sentido, as mais de 200.000 mortes causadas pela pandemia não decorrem apenas da incompetência dos mandatários em lidar com essa nova doença - o que levou o país a ser classificado como o que pior geriu a crise em um estudo australiano, mas são fruto de um projeto político que tem seu início com a usurpação do poder em 2016, em benefício do capital financeiro, representado aqui por uma elite econômica que sempre pende para o que há de mais retrógrado, que pouco preza pela vida do outro, ou do ambiente em que vive.

Apesar da rudeza e ignorância particulares de Bolsonaro, seus movimentos têm sido extremamente proveitosos a ele e ao projeto que se presta, tendo mostrando capacidade de navegar pela conturbada maré política brasileira. No momento, possui amplo apoio das forças policiais e sujeitou as Forças Armadas aos seus desígnios, tem influência no Ministério Público e desmontou importantes organismos de controle, constrangeu adversários e esvaziou o poder de ministros que se destacavam. Agora, conseguiu com que Rodrigo Maia saísse rebaixado de sua presidência na Câmara e conturbou a relação entre PSDB e DEM, dificultando o caminho para uma candidatura que rivalize com ele a direita em 2022, sem que o conflito com seu discurso do período de campanha tenha gerado qualquer comoção de seus apoiadores.

A disposição de Bolsonaro para agir em benefício próprio e de sua família, que não se envergonha de usar da máquina da União para escapar de multas ambientais ou para resolver as ladroagens dos filhos (e a própria), sem qualquer limite, agora se amolda ao projeto antipopular que tomou conta do país nos últimos anos. Nesse momento, ele pode estar mais forte do que no início do mandato, ao ter um Congresso que lhe pareça ainda mais simpático, a despeito da desolação causada pelo seu governo. Resta saber se ele será engolido por aquilo que hoje o sustenta, caso passe a ser um entrave aos interesses de determinados atores, ou se com sua aparente irracionalidade e o radicalismo ideológico conseguirá permanecer como o protagonista e narrador dessa tragédia. E para nós, qual a saída?

 Arthur Spada

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