A monogamia pode ser revolucionária parte II

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O artigo anterior foi encerrado da seguinte maneira,

“A monogamia pode ser um terreno em que a raiva se articule com o amor de um modo tão singular que permita a elaboração de uma parceria político-afetiva que nos humanize profundamente. Como?”

É importante falar de emoções e sentimentos. O neurocientista português Antônio Damásio ajuda a entender a diferença entre emoções e sentimentos, as emoções são reações neurofisiológicas aos estímulos mais variados, todo estímulo produz uma emoção, isto é, um efeito comportamental e mental involuntário. De acordo com Damásio, emoções são reações orgânicas e comportamentais, produzem calafrios, taquicardia, alteram o corpo. Os sentimentos são modos de viver emoções, isto é, interpretar, se relacionar e “ler” as emoções. Em poucas palavras, emoção é uma série de respostas neurais e químicas a um estímulo ambiental.  Por sua vez, o sentimento responde à emoção.

De acordo com alguns estudos realizados por um grupo de pesquisa da Universidade Simon Fraser, o ser humano tem uma tendência espontânea à “preguiça”. Nossa tendência é poupar o máximo de energia possível. Para gastar energia precisamos de motivação, de desejo. Outra inclinação humana é ao vício, as emoções e os sentimentos viciam. Na literatura, na TV ou no cinema, sejam através dos folhetins de Hollywood, Bollywood, Nollywood, das novelas nacionais, ou dos doramas asiáticos (dramas japoneses e sul-coreanos principalmente) não deixam de ser maneiras de impactar nosso imaginário identificando a paixão como expressão mais sublime do amor. 

As histórias de amor parecem insistir em dizer de muitas maneiras que formar um par é encontrar alguém que nos complete.

Sem dúvida, racionalmente não é frequente defender que o amor seja encontrar a nossa metade. Mas, em termos de emoções e sentimentos é diferente. Nossa formação foi e, ainda tem sido, em busca de uma emoção impactante que nos mantenha no topo da montanha. Como ensina Sobonfu Somé, pensadora burquinense e divulgadora da cosmovisão dagara, o amor romântico a verdadeira identidade das pessoas aparecer, estimula o anonimato e força as pessoas a se mascararem”.

Outro dado relevante é que o cérebro humano equivale a menos de 5% da massa corporal; mas, consome 20% da energia de uma pessoa. Ou seja, nossos processos mentais gastam muita energia, considerando vícios emocionais e sentimentais e uma tendência à preguiça. Considerando que as pessoas buscam uma relação amorosa baseadas em emoções e sentimentos frequentes nos romances do cinema, TV, streaming e páginas da literatura. 

A minha hipótese (repito é somente uma hipótese),

a monogamia é a possibilidade de experimentação de uma vida amorosa apta a vivenciar emoções e sentimentos mais diversos num relacionamento.

Os formatos poliafetivos e alguns tipos de críticas à monogamia não seriam um desejo inconsciente de buscar o amor romântico? Não é a decepção diante da não realização do ideal romântico que mantém as pessoas buscando um novo relacionamento? Não é esse desejo que faz com que alguém se separe? Não é esse desejo que faz uma pessoa buscar se sentir completa e se engajar em múltiplos relacionamentos num formato poliafetivo em que cada parceiro supre alguma necessidade que individualmente nenhum consegue suprir conjuntamente? A recusa da monogamia não é um desejo inconsciente de paralisar o tempo da paixão? A vontade de viver uma emoção de frio na espinha e um sentimento de estalo mágico? 

A monogamia não significa justamente se permitir uma riqueza de emoções e sentimentos? Não é justamente numa vivência monogâmica que o casal poderá experimentar uma intimidade, um convívio prolongado de maneira que a boa etiqueta entra em choque com a raiva e o desassossego? Não é justamente convivendo que descobrimos nuances antes não vistas da pessoa amada? Não é o cotidiano que rasga o véu da fantasia e humaniza os ídolos mais santificados? Aqui, as respostas são: sim.

Minha aposta é simples: a monogamia é uma oportunidade de viver um sentimento de humanização radical de quem antes admirávamos de modo apaixonado. 

Renato Noguera

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