Atentos ao "Pl da Grilagem"
A crise sanitária causada pelo coronavírus motivou um acordo entre os líderes partidários do Congresso Nacional, para que somente fossem votados projetos onde havia consenso entre os parlamentares e relacionados com a pandemia, de modo a concentrar esforços em seu combate. Não obstante, alguns deputados começaram a apresentar requerimentos para que fosse votada a Medida Provisória 910, que ficou conhecida como “MP da grilagem”.
Essa medida foi editada pelo presidente em dezembro e, em resumo, permitia a regularização de propriedades rurais obtidas irregularmente e em áreas desmatadas. Cerca de 60 milhões de hectares de áreas públicas poderiam ser transferidos para particulares, havendo a perda de patrimônio público e colocando em risco a vida dos povos tradicionais que vivem nessas terras. A principal crítica, é a de que seria beneficiado o que há de pior nas áreas rurais do nosso país, como grileiros, organizações criminosas que praticam desmatamento ilegal e lavagem de dinheiro e pistoleiros. Em nome de uma falsa regularização fundiária, criminosos seriam anistiados e o controle do desmatamento seria ainda mais prejudicado.
A Medida Provisória não foi votada no prazo previsto na constituição, muito por conta da pressão feita pela sociedade e importantes instituições e caducou. Todavia, o relator da medida apresentou um projeto de lei, o PL 2633/20, que repete os principais pontos controversos da MP. Este projeto, estava previsto para ser votado na última quarta-feira, mas foi retirado de pauta. Segundo seu relator, Deputado Marcelo Ramos do PL do Amazonas, o projeto poderá voltar para a pauta na próxima semana.
Segundo o deputado, o governo pretende aumentar o tamanho das áreas passíveis de regularização, além de ampliar o marco temporal da regularização fundiária de 2008 para 2014. Assim, nada impede que na próxima semana, após negociação com o governo – que vem buscando apoio daquilo que se convencionou chamar de “centrão” - esses pontos sejam incluídos no projeto, tornando-o ainda mais grave que a MP original.
A insistência na votação de um projeto de lei desse tipo e nesse momento, revela a faceta mais perversa de setores do agronegócio brasileiro, aqueles mais atrasados e ignorantes, que insistem em desprezar que a preservação ambiental é uma demanda global. Aliás, como divulgado pelo jornal Deutsche Welle, supermercados britânicos divulgaram uma carta aberta a deputados e senadores brasileiros, afirmando que não comprariam mais de brasileiros caso a lei fosse aprovada. Esse é apenas um pequeno exemplo do que o descuido com a preservação ambiental pode causar em termos econômicos.
Além disso, o tema é complexo e polêmico, de modo que deve ser evitado ao máximo que seja votado pelos sistemas de deliberação a distância, que o Congresso Nacional adotou por conta da necessidade de isolamento social. Tal questão, precisa ser amplamente discutida com a sociedade, em audiências públicas e debates com todos os setores envolvidos, tais como, produtores rurais, ambientalistas, especialistas e agricultores familiares, sempre de maneira transparente e participativa. Ou seja, apesar de não ser o momento oportuno para tal discussão, certamente o debate sobre a regularização fundiária não deixa de ser importante, mas desde feito em benefício de toda a sociedade brasileira, e que o resultado advindo seja o que atenda o maior número de interesses possíveis, especialmente os ligados a questão ambiental.
Devemos ficar atentos caso esse projeto efetivamente volte – e talvez agravado - para pauta nesse momento de isolamento social e crise sanitária, de modo a pressionar para que essa, como outras matérias que possam trazer prejuízos irreparáveis para o nosso país e que precisam ser debatidas de maneira aberta, não sejam votadas nesse momento.
Arthur Spada
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