Carta Convite à branquitude

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Se você, como eu, é branco, esse convite é para você.

O mundo está sendo sacudido por manifestações antirracistas iniciadas nos Estados Unidos. As quais, felizmente, estão ecoando em vários países. Inclusive no Brasil. Aqui, devido a nossa absurda situação política, o movimento recebeu o nome de antifascista. Realmente, na situação em que estamos, precisamos todos nos unir contra o fascismo. Mas não devemos esquecer que o que gerou toda essa reação foi um grito de basta da população negra americana, após mais um brutal assassinato de um cidadão negro por um policial.

O convite que faço é que nós, brancos brasileiros, possamos aprender com essa situação. São alguns aprendizados tardios, mas que podem mudar o país.

O primeiro é bem simples: calar a boca!

Quando uma pessoa negra estiver falando sobre racismo, sobre discriminação, ou, simplesmente, estiver contando sobre algo que viveu por ser uma pessoa negra, cale a boca! Não tente argumentar que não deve ter sido assim tão grave ou que você já passou por situações semelhantes. Mesmo, por exemplo, que você já tenha sido parado pela polícia em alguma blitz, jamais saberá o que é ser o alvo principal das operações policiais.

Nós, brancos, passamos os últimos 520 anos exterminando indígenas, sendo violentos com a população negra e tendo acesso, quase que exclusivo, à maneira com que as histórias são contadas nesse país. 

Portanto, agora, mais do que nunca, o que temos que fazer é calar e escutar.

Eis o segundo aprendizado: escutar.

Pode ser surpreendente escutar um ponto de vista diferente daquele com o qual você está acostumado desde que nasceu. Um ponto de vista de quem, desde a infância, é apontado, discriminado, cerceado e, via de regra, violentado. Parece exagero? Para quem nunca viveu essa experiência, parece, sim. E é justamente essa a questão. Nós brancos, por mais dificuldades que possamos enfrentar, não somos apontados, perseguidos ou deixados em segundo plano unicamente porque somos brancos. Ninguém muda de calçada quando nos vê. Ou segura a bolsa ao passar por nós. Ou é perseguido pelo segurança no shopping center. Ao contrário, no nosso dia a dia somos exaltados, elogiados e preferidos em relação às pessoas pretas. 

Isso, se existirem pessoas pretas no nosso dia a dia. Além, claro, das que normalmente estão a nosso serviço. Pare e reflita sobre a quantidade de pessoas pretas que estiveram ao seu lado durante a vida. Dividindo conquistas, vitórias, galgando posições na sociedade. Desde a escola até o trabalho. Ao jantar fora e no momento de sair de férias. 

Pois é aí que entra o terceiro aprendizado: sair da frente!

Para uma sociedade verdadeiramente democrática, nós, brancos, temos que abrir espaço, sair da frente, para que o fato de que apenas brancos ocupem espaços de liderança, representatividade e decisão política não seja encarado com naturalidade. Ou se aumentam os espaços para que haja equanimidade na sua ocupação, o que muitas vezes não é possível, ou temos que sair da frente para que eles possam ocupar os espaços a que têm direito. 

Nós brancos disputamos praticamente todos os espaços de poder. E, muitas vezes, vencemos a disputa apenas por sermos brancos. Se isso parece um exagero, pare para pensar na quantidade de pessoas medíocres que você conheceu ao longo da sua vida ocupando postos de destaque, seja na vida pública, seja na vida privada. Pois é. Muitas vezes estas pessoas estavam lá apenas porque sua branquitude lhe concedeu este privilégio.

E branquitude, aqui, é uma palavra importante. 

Para explicar melhor a necessidade do uso da palavra branquitude, faço uma rápida pergunta: você sabia que antes da chegada dos europeus em África, lá não havia negros? Pois é. Até então, lá havia pessoas com pensamentos, culturas, identidades, valores. Depois da invasão dos brancos, todos passaram a ser: negros, tendo suas identidades subtraídas.

Foi assim que nós, brancos, inventamos o racismo. 

Portanto, foi por nossa causa que a palavra negritude teve que ser criada. Para unir povos e atitudes muitas vezes heterogêneos. Mas que se igualam quando é preciso combater um inimigo poderoso. E esse inimigo é, justamente, a branquitude. 

Nós, brancos, desde que nascemos, vamos impondo nossa branquitude ao mundo. E, muitas vezes, sem perceber, pois tudo nos parece tão natural. Parece natural que os melhores lugares sejam nossos na escola, nas empresas, nos cargos públicos. E que os negros estejam nos servindo nos restaurantes, nas lojas, nas nossas próprias casas. 

No nosso pensamento branco, isso não tem nada de errado. Afinal, sempre foi assim. Desde os nossos antepassados. Pois foram, justamente,  os nossos antepassados que sequestraram, escravizaram e violentaram milhões de pessoas. Unicamente por que elas eram negras.

Então agora cabe a nós, seus descendentes também brancos, dizer: basta! Eu não sou um senhor de engenho! Eu não sou um escravocrata! Eu não sou um assassino!

Quer queiramos ou não, nossas mãos estão sujas de sangue. Nós que sustentamos e usufruímos da institucionalidade do racismo. O racismo institucional nos convém.

Pode parecer contraditório, mas o último aprendizado é se colocar na frente das pessoas negras.

Como assim, em um momento é preciso sair da frente; e, em outro, se colocar na frente? Pode parecer confuso, mas explico.

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Nossos corpos brancos, privilegiados, contém uma camada de proteção que nossos irmãos negros não têm. E sem essa proteção, eles são o alvo. Portanto, se queremos, realmente, o fim da violência policial em todos os lugares, principalmente nas favelas, e se acreditamos que vidas negras importam, temos que ir para a frente. Fazer uma barreira de proteção. Como fizeram aquelas pessoas na manifestação norte-americana.

Só dessa forma: calando a boca, escutando, saindo da frente para que os negros ocupem os lugares a que têm direito e os protegendo nas horas de perigo, que mudaremos a indecência que é o racismo institucionalizado desse Brasil!  

Renato Farias

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