Investimentos na Área da Saúde, o que devemos entender sobre as competências.

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Recentemente recebi a notícia de que no município de Caruaru, a justiça concedeu, em antecipação de tutela, medicação para tratamento de leishmaniose visceral (LV) para um cão de nome “Vitinho”. Essa notícia gerou dualidade de entendimento na população: comemoração das ONGs de proteção dos animais e indignação dos profissionais de saúde pública, uma vez que não é previsto o financiamento do tratamento de animais pelo setor saúde. 


Então, antes do seguimento da leitura deste artigo, eu queria que, com o conhecimento que vocês têm, pensassem um pouco sobre essa decisão. 


Antes de falar sobre os impactos desta decisão, eu gostaria de compartilhar com vocês um pouco sobre a doença em si. A LV é uma zoonose causa pelo protozoário Leishmania infantum e transmitido pela picada de insetos dípteros muito pequenos. A dinâmica da transmissão da LV está relacionada com a flutuação da população de vetores e reservatórios, naturais e domésticos, decorrente de mudanças ambientais, climáticas e sociais ocasionadas pelo processo de urbanização das cidades. O desequilíbrio ambiental acarreta desalojamento dos vetores e reservatórios silvestres, o que favorece a necessidade de adaptação ao ambiente antropizado. O incremento da densidade populacional causado pelo êxodo rural contribui para o crescimento do número de moradias em condições favoráveis à sobrevivência e adaptação de vetores, tais como: acúmulo de lixo, falta de saneamento básico e presença de animais.

Podemos perceber que todos esses fatores estão relacionados às populações mais vulneráveis, e esse é um dos motivos pelos quais a LV é considerada, pela Organização Mundial de Saúde, uma doença negligenciada. Uma doença é considerada negligenciada quando é causada por agentes infecciosos ou parasitários, acomete populações mais pobre e é de difícil controle. Este último, está relacionado principalmente pela falta de investimento, não só por parte do setor público, mas principalmente pelo setor privado. Exemplificando, atualmente temos somente dois medicamentos disponíveis para o tratamento da LV humana e nenhum interesse da indústria farmacêutica no desenvolvimento de novas moléculas, uma vez que a LV é uma doença de população economicamente desassistida. 

Dentre as estratégias para a prevenção e controle da doença, são preconizadas atividades em todos os pontos que compõe a cadeia de transmissão da doença: 

  1. Vigilância e controle de vetores: com a realização de levantamentos entomológicos objetivando conhecer o comportamento dos vetores e indicar o melhor período para a realização do controle químico; 

  2. Vigilância e manejo de reservatórios: com a realização de inquéritos sorológicos em cães para manejo dos animais positivos e redução das fontes de infecção para os vetores; 

  3. Vigilância de casos humano: com diagnóstico oportuno e realização do tratamento adequado para as pessoas que adquiriam a doença.

Em associação às atividades de controle, são realizadas ações para prevenção, envolvendo atividades de educação em saúde e medidas de proteção individual. Neste último ponto, a disponibilização de coleiras impregnadas com inseticida para cães sadios é uma medida em processo de implantação no Programa de Vigilância e Controle da Leishmaniose Visceral no Brasil. É importante entendermos que, todas as medidas descritas acima que atualmente são preconizadas pelo Ministério da Saúde, antes de serem incorporadas foram avaliadas, tanto em sua eficácia como efetividade. Uma vez comprovada a sua efetividade, é realizado um estudo de custo efetividade, para avaliar o custo para implantação/manutenção da ferramenta e, caso ela seja custo efetiva, esta é incorporada.

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Todos esses passos devem ser seguidos porque temos que considerar que as demandas existentes na área da saúde são ilimitadas, entretanto, os nossos recursos são limitados. É por esta razão que temos que compreender que existe um equívoco em comemorar a decisão judicial em que o setor público (saúde) deve arcar com o tratamento do Vitinho. Não pelo animal obviamente, mas por ser uma doença negligenciada em todos os sentidos e, claro, por não ter sido comprovada a efetividade da utilização no tratamento animal como ferramenta de controle. Entendam que, o recurso que será utilizado, como não foi planejado, será retirado de outra área, e, se essa prática for recorrente, teremos um problema real. Um tratamento de LV humana, considerando somente o medicamento, custa em torno R$ 140,00, enquanto que o medicamento para tratamento animal, custa em torno de 800,00 (um ciclo), sendo necessária reavaliação do animal a cada 4 meses e, em diversas situações o re-tratamento, uma vez que este não proporciona a cura parasitológica do animal. O valor do tratamento canino é 5,7 vezes o valor do tratamento em humanos. E torno a enfatizar que não temos evidência científica de que o tratamento canino reduz casos da doença em humanos, ou seja, não temos evidência de que este pode ser utilizado como ferramenta de saúde pública. Dessa forma, não há possibilidade de inclusão, no escopo de competência do Ministério da Saúde, o financiamento de tratamento de doenças em animais. É fundamental que seja compreendido que o órgão público responsável pela sanidade animal é o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.

Em adição, é importante que seja fortalecida a discussão sobre a posse responsável, para que os tutores entendam que eles são inteiramente responsáveis pelos seus animais e, portanto, é preciso se responsabilizar inclusive pelos seus cuidados médicos.

Agora eu pergunto novamente: o que vocês acham da decisão judicial de tratar o Vitinho?

Abraços,

Rafaella Albuquerque

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