Joker Qual a piada nisso tudo?

Coringa

Coringa

*Este texto contém spoiller

Confesso que não sou fã de nenhuma história em quadrinho. Não sei a diferença entre DC ou Marvel. Mas seguindo o fluxo das grandes produções cinematográficas, abri meu coração e me dispus a assistir “Coringa”. O filme retrata a vida do vilão do Batman, antes mesmo dele se revelar um dos mais famosos bandidos da DC Comics.

Se compararmos as interpretações anteriores do vilão, podemos perceber mudanças ao longo das inúmeras versões do filme Batman. Jack Nickson, que interpretou o Coringa em 1989 trouxe uma versão mais caricata do personagem, diferentemente da interpretação de Heath Ledger e, mais recentemente, de Joaquin Phoenix . O certo é que as versões sempre trouxeram, algumas vezes de forma mais tímida, situações vivenciadas pelo vilão que poderiam ser consideradas justificativas para a perversidade. Eu me recordo de uma cena do “Cavaleiro das Trevas” em que Ledger conta uma história de violência doméstica em que o pai dele “coloca” um sorriso no seu rosto cortando as laterais da sua boca quando ele era criança. Quem assistiu lembra da célebre frase: “Why are you so serious boy?”. Devo dizer que esta cena me causou arrepio, tristeza e senti empatia pelo personagem.

Depois das pontuais situações de violência descritas pelo vilão nos inúmeros filmes do Batman, finalmente surgiu um filme para contar sua história. Mas nada é tão simples, nem a sua vida e nem o entendimento do que aconteceu de fato com ele. Tudo isso porque o diretor faz com que exerçamos nossa capacidade criativa, deixando o filme em aberto para inúmeras interpretações. Então, tudo que eu escrever aqui reflete a MINHA interpretação sobre o filme, o que pode ser diferente da sua. E, no meu ponto de vista, esse é o maior ganho da produção: as diferentes opiniões gerando possibilidade de discussão e construção de novas perspectivas de pensamento.

O Coringa sempre teve uma vida difícil: era pobre, foi adotado por uma mãe que possuía desordens mentais e foi constantemente violentado durante a sua infância. Na vida adulta foi ridicularizado pela população de Gotham City devido a doença mental que possuía. O sintoma mais frequente da doença era o riso inapropriado e incontrolável. O riso não refletia o seu sentimento e isso o colocava em diversas situações de incompreensão por parte da população. Quando ele tentava segurar o riso, se engasgava, o que deixa a situação ainda mais esquisita perante todos. Então, nitidamente ele é repelido pela população. Não consegue estabelecer nenhum tipo de relacionamento, não tem uma rede de amigos e sua mãe é a única pessoa que expressa qualquer tipo de afeição por ele. Ele é roubado durante o trabalho, ridicularizado pelo seu ídolo (um apresentador de um TV Show interpretado por Robert DeNiro) e apanha constantemente. Se sente invisível a maior parte do tempo. Perde o emprego de palhaço, que é uma das coisas mais importantes da vida dele e descobre que seu pai, que o rejeitou, pode ser o ricaço Thomaz Wayne, pai do Bruce Wayne - o Batman. Além disso, ele perde o apoio psicológico financiado pelo governo, o que faz com que ele não tenha mais acesso a terapia (que aparentemente não era tão boa) e aos remédios.

Sabendo de todo esse sofrimento, dessa vida injusta que ele levava, como não sentir empatia? Quando conhecemos a história do outro, muitas vezes compreendemos certas atitudes outrora inaceitáveis. Todos temos uma história. Por trás de cada reação, tem uma vivência, uma experiência e as vezes uma necessidade.

A necessidade do Coringa era ser visível perante a sociedade. E ele consegue essa visibilidade quando começa a se defender dos demais, mas de maneira muito extrema, matando as pessoas que o violentavam. Se tornou alguém, por mais que seja um vilão. A parte “engraçada” é que depois de conhecer sua história, naturalmente começamos a torcer por ele. E as vezes torcer para que ele fizesse justiça com as próprias mãos, mesmo sabendo que isso é extremamente errado. Eu ri em momento inapropriados, assim como ele fazia. Eu sorri quando ele matou o apresentador do programa. E muita gente riu no cinema quando o anão não conseguiu abrir a porta. Todas estas foram cenas de violência, mas que retratavam o momento da vingança por tanta falta de solidariedade e por tanto descompasso na vida. Justificável então? O sistema falhou com ele desde o momento da sua adoção. Nós, enquanto sociedade, falhamos com ele também, quando não tivemos empatia. Mas se puxarmos da memória, quantos cidadãos passam exatamente pelo que ele passou, sem necessariamente se tornar um vilão? Quantas pessoas sentem na pele essa invisibilidade? E quantos passam por nós realmente de maneira invisível? Já refletiram sobre isso?

Levando para o lado da saúde, o agravante, no meu ponto de vista, é a desassistência quanto a sua saúde mental. Ele deixa de ser medicado e de ser acompanhado, e isso, obviamente, impacta no seu discernimento. Os transtornos mentais estão sendo cada vez mais evidenciados no nosso dia a dia. É um problema de saúde real e que durante muito tempo foi tratado como um tabu e de maneira preconceituosa. E aos poucos, precisamos desmistificar e combater esse preconceito. No filme, tem uma frase dele que me tocou demais - “a pior parte de ter uma doença mental é que as pessoas esperam que você se comporte como não tivesse”. Isso confirmando a falta de empatia e preconceito por parte de todos que o rodeavam.

No Brasil, dentro da estrutura do Sistema Único de Saúde (SUS), existem os Centros de Atenção Psicossociais, denominados CAPS, que fazem parte de uma Rede de Atenção Pscicossocial (RAPS). Apesar de serem serviços especializados, os CAPS também podem ser vistos como porta de entrada para o SUS. Isso significa que qualquer pessoa pode ter acesso aos Centros sem necessariamente ser referenciado pela atenção primária. Os CAPS são serviços de saúde desenvolvidos por uma equipe multiprofissional e que atua sobre a ótica interdisciplinar. Tem como público alvo as pessoas com sofrimento ou transtorno mental, seja em situações de crise ou nos processos de reabilitação psicossocial. Esse modelo de atenção mental vem para substituir o modelo asilar, de internação compulsória por qualquer transtorno ou comportamento. E isso é realmente um avanço. 

A origem do nome “Joker”, vem de uma situação triste, em que ele foi ridicularizado em um programa de TV. Joker em português significa piada. Agora eu pergunto a vocês, considerando toda a aparente história de vida dele, qual é a piada nisso tudo? 

Reflitamos.

Rafaella Albuquerque e Silva

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Abaixo, segue a descrição dos tipos diferentes de CAPS:

“CAPS I: Atendimento a todas as faixas etárias, para transtornos mentais graves e persistentes, inclusive pelo uso de substâncias psicoativas, atende cidades e ou regiões com pelo menos 15 mil habitantes.

CAPS II: Atendimento a todas as faixas etárias, para transtornos mentais graves e persistentes, inclusive pelo uso de substâncias psicoativas, atende cidades e ou regiões com pelo menos 70 mil habitantes.

CAPS i: Atendimento a crianças e adolescentes, para transtornos mentais graves e   persistentes, inclusive pelo uso de substâncias psicoativas, atende cidades e ou regiões com pelo menos 70 mil habitantes.

CAPS ad Álcool e Drogas: Atendimento a todas faixas etárias, especializado em transtornos pelo uso de álcool e outras drogas, atende cidades e ou regiões com pelo menos 70 mil habitantes.

CAPS III: Atendimento com até 5 vagas de acolhimento noturno e observação; todas faixas etárias; transtornos mentais graves e persistentes inclusive pelo uso de substâncias psicoativas, atende cidades e ou regiões com pelo menos 150 mil habitantes.

CAPS ad III Álcool e Drogas: Atendimento e 8 a 12 vagas de acolhimento noturno e observação; funcionamento 24h; todas faixas etárias; transtornos pelo uso de álcool e outras drogas, atende cidades e ou regiões com pelo menos 150 mil habitantes.”