Na esperança, O homem

Ilustração Robert Giusti, 1970

Ilustração Robert Giusti, 1970

Na coluna passada, com o respaldo de Solano Trindade, afirmei que nem tudo está perdido! Recebi retornos os mais variados. Desde os mais pessimistas, que acham que está tudo perdido mesmo, até os mais otimistas que veem sempre oportunidades em momentos de crise... 

Fiquei pensando sobre a capacidade que temos de alimentar pensamentos. E sobre até que ponto podemos interferir na nossa forma de ver a vida e o mundo.

Se, por um lado, as manobras políticas dos poderosos guiaram milhões de cidadãos a uma escolha suicida e genocida, por outro, parcelas da sociedade civil seguem se movimentando e construindo, no cotidiano, mundos melhores e situações de respeito e empoderamento para muita gente.

Os dois movimentos existem. Ambos fazem parte do que é, ou está, esse país.

Com qual dos dois países escolhemos nos ocupar? Qual dos dois preferimos alimentar?

É mais do que lamentável a destruição diária de direitos e conquistas que levaram décadas para serem construídas. Certamente a saúde e a educação públicas levarão algum tempo para se recuperar da sanha destrutiva do chefe do poder executivo e seu bando. 

Mas, por outro lado, líderes comunitários, professores, agentes comunitários de saúde, enfermeiras, trabalhadores, integrantes do movimento sem terra, defensores dos direitos humanos, artistas, ativistas negrxs, indígenas, LGBTs, alguns políticos que compreendem sua função pública, entre outros milhões de brasileiros, seguem incansáveis na construção de um país que não espera vir de cima a solução para seus problemas.

Para quem dedicamos nosso olhar e nossa energia? 

Claro que o que acontece em Brasília, e nos submundos da baixa política brasileira, precisa estar constantemente sob vigilância e resistência. Mas a energia do nosso dia a dia pode estar direcionada a algum movimento de construção do que acreditamos que seja o melhor para nós e para os que nos rodeiam. Podemos até, dentro dos nossos limites, propor esses movimentos.

A postura de viver mergulhado na lama, e de passar o dia falando dos que querem nos matar, já é um primeiro passo para morrer. E a descoberta de que podemos ser cidadãos ativos de qualquer transformação positiva, por menor que seja, devolve a esperança de que essas trevas terão fim.

Afinal, a história mostra que não há terror que não acabe e não há primavera que não floresça... Infelizmente o tempo que isso leva depende do amadurecimento das sociedades. E a nossa ainda é bem imatura na compreensão do que é uma democracia.

Portanto, o que o poeta propõe é menos lamento e mais ação.

Se o mundo macro nos oprime, no micro podemos agir. E essa ação pode determinar os pensamentos que ocupam nossa cabeça antes de dormir. 

Sendo assim, peço licença, agora, à minha amada mestra Conceição Evaristo e sua poesia: 

NA ESPERANÇA, O HOMEM

Da cabeceira do rio, as águas viajantes

não desistem do percurso.

Sonham.


A seca explode no leito vazio

e a pele enrugada da terra seca e

sonha.

O barco espera.

O sábio contemplativo aguarda.

O homem, ao peso de qualquer lenho,

não se curva.

Sonha.

Sonha e faz

com o suor de seu rosto,

com a água do seus olhos,

com a fluidez de sua alma,

cospe e cospe no solo

amolecendo a pedra bruta.


Faz e sonha. 

E, no outro dia, no amanhã de muitos

outros dias, a vida ressurge fértil,

úmida,

alimentada pelo seu hálito.


E que venham todas as secas,

o homem esperançoso

há de vencer.

Conceição Evaristo

Renato Farias

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