O mundo se despedaça ou o apocalíptico mundo negro

Imagem: Craig Lassig/Efe

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Meus planos para a coluna de hoje era falar sobre literatura e romances que contam histórias de África e sua afrodiáspora em primeira pessoa. Ia falar sobre obras como “Escravos” do togolês Kangni Alem, “Meio Sol Amarelo” da nigeriana Chimamanda Adichie, “Mayombe” e “Geração da Utopia” do angolano Pepetela, “Andorinhas” de Paulina Chiziane e “Ualalapi” de Ungulani Ba Ka Khosa ambos escritores moçambicanos, que me fizeram repensar ficcionalmente experiências históricas de pessoas do continente africano.

Mas diante das incertezas de nossos tempos e principalmente com o genocídio do povo negro cantando os seus tentáculos em todas as partes do mundo ocidental, decidi partir do título do célebre romance do nigeriano Chinua Achebe, “O mundo se despedaça”, para devanear sobre o despedaçar do mundo do Povo Negro e suas consequências pós-apocalípticas.

Importante explanar três ideias que suleiam essas reflexões (eu não norteio nada!): a primeira é que Ocidente é compreendido como anglo-europeu geopoliticamente e possui fronteiras fluidas estendidas a outros territórios, o brasil inclusive, principalmente pela sua Indústria Cultural e pelo Capitalismo camuflado de  progresso, globalização, conectividade, tecnologia, inovação e suas instituições. Assim, a nossa sociedade, apesar de performar a categoria Latino Americana, tem o modelo angloeurocêntrico universalizante ocidental como espelho ético e estético.

Segundo que Povo Negro é composto pelas pessoas negras do continente africano nas suas pluriterritorialidades e pelas pessoas negras de ascendência africana nas pluridiásporas, também chamadas de afro-americanas, afro-francesas, afro-brasileiras, afro-chilenas, afro-cubanas, ou ainda, amefricanas como apresenta Lélia Gonzalez. 

O terceiro ponto é a definição de que o genocídio da população negra se encontra em escala global e é metaforizado por mim, nas minhas pesquisas sobre África e Afrodiáspora, como um monstro com múltiplos tentáculos que atendem a cada especificidade da pluriversalidade do Povo Negro. Isto é, esse monstro, compreende que esse povo é pluriverso, transterritorial e transcultural e, por isso, há um tentáculo para cada um de nós, em qualquer classe, de qualquer gênero ou idade e em qualquer lugar que nos encontremos no mundo Ocidental.

Vale dizer que o Monstro do Genocídio do Povo Negro tem um dono que apelidei de “Senhor do Ocidente”, um arquétipo da supremacia branca ocidental, que há mais de meio milênio rouba, mata, destrói, domina, coloniza, explora povos não-brancos e o meio ambiente e que no contexto americano poderia ser o Trump e no brasileiro, a nossa cópia mal diagramada de  “Senhor do Ocidente”, Jair Bolsonaro. 

O escritor afrofuturista Fábio Kabral uma vez me falou que em suas obras ele concebe a experiência negra do encontro civilizacional com o Ocidente como um fim do mundo negro, um momento apocalíptico em que pessoas africanas com pluriperspectivas de Ser e Estar no mundo tiveram suas terras invadidas e destruídas e o curso de sua existência e de seus descendentes modificados de maneira irreversível. Seres humanos que foram sequestrados, encarcerados, obrigados a dar a volta da árvore do esquecimento e passar pelo portal do não retorno, embarcados, atravessados pelo Atlântico no porão de tumbeiros, desembarcados em diferentes partes da Amérikkka, leiloados, escravizados, subalternizados, favelizados/guetificados e agora genocidados por esse monstro tentacular. Esse fenômeno apocalíptico que dura pelo menos quinhentos anos foi categorizado pela pesquisadora, professora e intelectual afro-americana, dra Marimba Ani, como Maafa, ou seja, o holocausto negro, a nossa desgraça coletiva. 

Nós, afrodescendentes, fazemos parte de uma diáspora que surgiu na Maafa ao mesmo tempo que a constitui. Estamos em Estado de Maafa, sendo consequência e agentes desse mundo pós apocalíptico, que trouxe nossos ancestrais para cá apenas com o corpo, a palavra e o conjunto ético e estético, e foi com esses mesmos elementos que eles permaneceram, resistiram e existiram, garantindo assim a nossa continuidade. Então, faço um movimento de Sankofa e busco ouvir os ecos dessas experiências, pegando as pedras do passado e trazendo para o agora, como instrumento para pensar o nosso momento. 

Quando olho para as movimentações e protestos afro-americanos, vejo o fruto organizado de uma afrodiáspora que possui letramento racial - apesar de todas as tentativas das alienações culturais impostas a eles -, uma memória viva do passado e de seus heróis e uma agência em comum de black money e educação desde o período pós abolição da escravidão americana, ao mesmo tempo em que são apenas 13% da população total do país, mas figuram 40% dos encarcerados. São negros, portanto, que vivem no coração político, cultural e econômico ocidental e que possuem como estratégia de sobrevivência nesta maafa da Amérikkka a organização negra em muitos sentidos e a transmissão da memória. 

Diante de casos como o de George Floyd nos EUA, e olhando a nossa maafa brasileira, sinto um misto de solidariedade esperançosa e tristeza, porque sabemos que o tentáculo genocida que derrubou Floyd, além de Trayvon Martin, Sandra Bland, Eric Garner, Atatiana Jefferson, Michael Brown, Breonna Taylor e muitos outros naquela diáspora, é o mesmo que se adaptou a nossa realidade sócio-histórica e cultural e derrubou Cláudia Ferreira,  João Pedro, Ágatha Félix, Marielle Franco, Amarildo, Matheus Moraes e muitos outros.

Então, uma pergunta que devemos nos fazer é:

quais são as nossas estratégias enquanto sociedade para acabar com o Monstro do Genocídio do Povo Negro na nossa realidade brasileira?

Sabemos que as centenas de protestos pelas vidas de pessoas negras assassinadas não causam comoção social ao ponto de um todo se mobilizar para dar um basta nessa situação. Talvez porque aqui no brasil as vidas dos negros importam somente para os negros e mesmo que falemos que elas importam, o nosso interlocutor não concorda nem se solidariza com isso. Talvez porque o inconsciente coletivo eurocêntrico vigente no brasil diga que pneu queimado e favelado protestando é baderna. Ou porque a memória da luta negra brasileira ainda sofre do apagamento epistêmico e do racismo estrutural.

O brasil continua sendo regido por trinetos de escravocratas herdeiros do lusotropicalismo freyriano. Um país que insiste no mito da democracia racial para não encarar uma conversa séria e responsável sobre o racismo, porque sabe que são herdeiros dessa dívida histórica que despedaçou o Mundo Negro e, consequentemente, criou as diásporas daqui. 

Acho que no nosso país, com todas as violências que nos são impostas, o protesto e a destruição têm sua importância, mas devem ser acompanhado de lucidez, responsabilidade, estratégia e objetivo. Porém, mais importante que isso são as estratégias que vão permitir a gente sobreviver a esse genocídio após o protesto dispersar. Eu sou uma sonhadora e acredito fortemente no Poder da Educação e da Arte. Parece utópico para o Ocidente, mas para mim parece mais com propósito. 

Aza Njeri

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Aproveito para convidar você a participar do meu curso:

O curso “África e Diáspora: caminhos pluriversais”

ministrado pela professora doutora Aza Njeri (Viviane Moraes), tem como objetivo refletir sobre de África e a Afrodiáspora no que tange história, cultura, literatura e arte, filosofia com foco na pluriversalidade (Ramose, 2010, Noguera, 2014).

Dias 15 e 16 de junho de 2020

Horário: 19:00 – 21:30

Valores promocionais com vagas limitadas!

Inscrições: aqui

https://eventos.diaspora.black/produto/africa-e-diaspora-caminhos-pluriversais/ (link nos stories e no @diaspora.black ) .

Edit: se não consegue clicar o link, só colocar no google "diaspora black evento" que vai achar a página do @diaspora.black com os cursos, entre eles o meu.

Curso oferece:

Material

Aula disponível após o encontro

Certificado

Ementa:

Esta atividade tem como objetivo contribuir para os estudos decoloniais e estudos africana, a partir da reflexão pluriversal sobre história, cultura, literaturas e filosofias africanas.

Cronograma:

15 de junho – Encontro I (2,5h)

África e diáspora: história, cultura e sociedade

Panorama sobre a História Africana apontando para discussões culturais e sociais.

16 de junho – Encontro II (2,5h): Pluriversalidade: Filosofia e Artes

Reflexão sobre Artes e Filosofia .

Docente: Aza Njeri é professora doutora em Literaturas Africanas, pós doutora em Filosofia Africana, pesquisadora de África, Afrodiáspora e Mulherismo Africana, coordenadora do Núcleo de Filosofia Política do Laboratório Geru Maa/UFRJ e Núcleo de Estudos Geracionais sobre Raça, Arte, Religião e História/UFRJ, integrante do premiado Segunda Black, multiartista, crítica teatral e literária, mãe e youtuber (youtube.com/azanjeri)

Público Alvo:

Público em geral interessado no tema.

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