O viver em Seis Perfeições
O caminho budista é tido como autoconhecimento e despertar. Talvez nenhuma outra religião na história o faça de forma tão sofisticada e profunda quanto o pensamento de Sidarta Gautama. Em paralelo à essa introvisão, existe um panteão teológico multitemporal e espacial narrando o drama sagrado como narrativa de esperança e libertação dos nossos questionamentos.
Em outras postagens, mencionei que o Buda Amida (jap, Amitabha e Amitayus em sânsc.) é a representação da Sabedoria e Compaixão Imensurável, a iluminação imanente. O termo Voto Original que nos apoiamos no budismo Shin é o juramento feito por Dharmakara (sânsc, Hozô, jap), em outra era e espaço fora um rei, decidindo a tornar-se Buda seguiu diligentemente sua aspiração de proporcionar e garantir a liberação de todos os seres sencientes. Como Ele já se tornou um Buda, logo todos os seres tem a certeza de serem libertos confiando e recitando seu Nome.
BUDA AMIDA É UM MITO, MAS ELE SE REALIZA EM NOSSOS CORAÇÕES E MENTES.
Onde está o Buda?
Aqui e agora quando falo dele. Como todo mito, serve para narrar o inefável e incognoscível. Isto quer dizer que todos seres possui a vocação do que se chama de Natureza Buda, uma natureza essencial, emancipatória, um princípio inspirador. Desta forma, o Buda colocou seu própria despertar em nosso despertar, em forma de sementes. O Voto Original é a aspiração profunda de sair dos nossos sofrimentos. É o espelho para o despertar. A menor experiência de dor e de aflição, já é suficiente para percebermos em nosso interior uma centelha de luz a qual nos convida a pensar sobre nós. Sempre imaginamos que o praticante budista se fará iluminado por si mesmo, mas isto é um equívoco. Com o tempo percebemos quem nos ilumina é um Buda, algo externo de nossas capacidades.
No estudo do Dharma existem alguns exercícios fundamentais, um deles proferidos no Sutra da Grande Perfeição, onde consideramos como nossas virtudes, as chamadas Seis Paramitas ou Perfeições. Essas perfeições norteiam a vida espiritual e também o cotidiano. Vamos conhecer, mesmo não sendo budista, elas podem contribuir com seu cotidiano.
DANNA PARAMITA – DOAÇÃO, GENEROSIDADE, OFERTA.
Esta perfeição se relaciona ao que se torna externo a nós, a doação de tempo, recursos, fala, audição, compreensão, empatia. Os monges antigamente viviam a base de doações da comunidade local para refeições e vestimentas, então era um preceito importante de subsistência. No mundo atual se tornou mais prático com o dinheiro, um assunto traumático, mas necessário para a manutenção do templo. O que podemos doar? Escuta, atenção, carinho, respeito, cordialidade.
SHILA PARAMITA – ATENÇÃO PLENA.
Neste paramita significa não apenas prestar atenção, mas estar estar presente aqui e agora, se concentrar naquilo que está fazendo. Se estou comendo, estou apenas comendo, se estou cozinhando, estou apenas cozinhando. Um exercício difícil com a tentação dos celulares. Observar bem é o primeiro passo para atenção. Foco, objetivo, diligência, dedicação, sem dispersar. Onde está a nossa atenção? A mente é comparada pelo Buda como um macaco irrequieto nas árvores.
KSHANTI PARAMITA – A TOLERÂNCIA, O ACOLHER, O TRANSFORMAR.
A tolerância tem o intuito do aceitar as coisas como são, é o compreender sem ser resignada e complacente, mas justo e transformador. Temos um problema sério com a palavra aceitação sendo derrota. Aceitação não é uma atitude de vítima ou sacrifício. Sem compreender, sem aceitar, eu não posso transformar. E para isso eu preciso acolher, analisar, observar. Como você observa e acolhe a si e sua vida?
VIRYA PARAMITA – ESFORÇO, ENERGIA, PERSEVERANÇA.
Pessoalmente diria que é o Paramita motriz para os cinco demais. Sem dedicação não há ação. As nossas energias estão guardadas no que chamamos de consciência armazenadora (alaya vijnana, sânsc.) onde sementes das boas e más ações podem ser regadas a todo instante. Basta haver causas e condições propícias para que uma semente brote. Qual delas você tem regado?
DHYANA PARAMITA – MEDITAÇÃO, ESTAR CENTRADO (CHAN EM CHIN., ZEN EM JAP.)
A boa e velha palavra meditação não significa apenas sentar-se em silêncio diante de uma parede ou paisagem. É sem dúvida a prática central budista, mas deve ser levada e seguida adiante nas ações da vida na mesma vibe da meditação. Eu estou agitado, trabalhando, mas meu coração está sereno, centrado. Percebo que na sociedade japonesa a serenidade se mantêm mesmo na agitação da gigante Tóquio. A liturgia, o rito budista, é um belo exemplo da meditação dinâmica, a fala, a respiração, a atitude, a postura, a leitura (lembra dos Oito Nobres Caminhos) para que o drama litúrgico se realize e seja experiênciado pelo praticante. Esse comportamento adveio da meditação zen e permeou a cultura japonesa, como a cerimônia do chá, a arte floral da ikebana, as artes marciais, a caligrafia shodô. Meditar é voltar ao momento presente, olhar com profundidade, ser consciente deste precioso momento. É um assunto complexo e não pode ser visto para desestressar ou relaxar. Ao contrário, meditar vai bagunçar sua paz num primeiro momento! E deve ser orientado sempre por um professor ou mestre habilitados.
PRAJNA PARAMITA – SABEDORIA, COMPREENSÃO, INSIGHT.
A sexta perfeição uma das mais importantes, não à toa nome de um dos mais importantes sutras (Mahaprajnaparamita Sutra), é perceber a Natureza Buda, perceber que as sementes da iluminação proporcionada pelo Buda foram plantadas há tempos imemoriais, sem discriminação, sem julgamento e sem culpa. A iluminação não julga, não condena, ela flui, queira você ou não, como a corrente elétrica independente do cabo. A sabedoria é análoga as ondas do oceano que não precisam descobrir que são água.
Particularmente não penso que as Seis Perfeições fará de você um ser iluminado, até porque é algo raro, mas o fará despertar sobre sua real Natureza. E certamente o exercício de cada uma dessas perfeições nos transformará em pessoas mais empáticas, calmas, menos ansiosos, raivosas, mais generosos, tolerantes, lúcidas e bondosas. Se pudermos exercitar uma delas por dia, logo todas estarão juntas ao mesmo tempo.
Que tal fazer esta academia de iluminação hoje? Podem ir malhar, mas malhemos nossa mente também!
Se a mente for pura, a terra é pura,
Se a mente for maculada, a terra é maculada.
Se um pensamento ruim vier à mente, muitos obstáculos aparecerão.
Se um bom pensamento surgir, a paz estará em todos os lugares.
Assim, o céu e o inferno estão todos em nossa própria mente.
Han-shan Te-ch'ing Ta-shih (1576-1623)
Coleção de Perambulações Onírica
Gassho
Rev. Jean Tetsuji釋哲慈
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