Pitaya

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Semana passada eu tive a oportunidade de participar do Simpósio Internacional de Flebotomíneos, chamado ISOPS. Esse simpósio acontece a cada dois anos, sempre alternando entre o Novo Mundo (Américas) e o Velho Mundo (Europa, Ásia ou África). Pois bem, este ocorreu na Ilha de São Cristovão, em Galápagos, Equador. 

O arquipélago de Galápagos é extremamente conhecido devido a sua diversidade de fauna terrestre e marinha e cientificamente tem importância histórica, uma vez que foi a área escolhida pelo pesquisador Charles Darwin para o desenvolvimento da teoria de evolução das espécies, contrapondo a teoria criacionista “vigente” na época.

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Charles Darwin ao passar por Galápagos observou a existência de uma diversidade de espécies de tartarugas que aparentemente advinham de um ancestral comum. Ele observou que os animais se modificavam para adaptar-se a diferentes habitats naturais e, aqueles que tivessem êxito, ou seja, que sobrevivessem, poderiam repassar essas características para a prole (comprovado posteriormente). Essa ficou conhecida como a Teoria da Seleção Natural das Espécies.

Entendendo a importância da manutenção da fauna e flora local, a entrada em qualquer uma das ilhas que compõe o arquipélago de Galápagos é extremamente controlada, sendo necessário o pagamento de taxas de preservação, além da proibição de entrada ou saída de qualquer tipo de vegetais ou animais. Pois bem, eu vinha de Quito e ganhei uma pitaya do guia que me acompanhou durante a minha estadia na capital. Esqueci de comer e acabei trazendo dentro da bolsa, sem saber ao certo que estava cometendo uma infração (até então eu não sabia da proibição). Dentro do avião eu recebi a declaração que deveríamos preencher e vi que era proibido ingressar na ilha com qualquer fruta.

Mesmo ficando ciente da proibição, eu marquei no papel que não estava trazendo nenhuma fruta e, minutos depois, fui parada no aeroporto. Fiquei extremamente sem graça porque o fiscal pegou a pitaya e me explicou, quase se desculpando, o porquê de não ser permitida a entrada da pitaya na ilha. Ele disse que não era uma fruta que fazia parte da flora nativa e se porventura fosse de alguma forma “desviada”, poderia competir com a flora local. Obviamente ele oficializou a retenção da fruta, com o número do meu passaporte e tudo, e eu tentei explicar o inexplicável. Entrei na ilha arrasada. Com vergonha sabe? Mas depois me peguei pensando, eu estou triste porque cometi uma infração (consciente) ou porque eu fui pega na infração? Será que se eu não tivesse sido descoberta eu estaria tão triste assim?

QUANTAS VEZES COMETEMOS UMA INFRAÇÃO, SABENDO QUE É UMA INFRAÇÃO, E NÃO NOS SENTIMOS MAL? E QUANTAS VEZES REPETIMOS A MESMA INFRAÇÃO JÁ QUE NÃO FOMOS DESCOBERTOS NAS VEZES ANTERIORES? 

A descoberta de um ato considerado imoral ou impróprio pode gerar arrependimento ou remorso, podendo estes estarem atrelados ao medo que naturalmente temos do julgamento de terceiros. Entretanto, se nos permitirmos construir uma percepção mais acurada e racional do nosso comportamento, podemos chegar a conclusão de que quando entendemos a gravidade do delito que cometemos, claro que de acordo com a situação, a opinião pública passa a ser irrelevante quando comparada a opinião que podemos desenvolver sobre nós mesmos. 

“a opinião pública é uma tirana débil, se comparada à opinião que temos de nós mesmos”

Clarice Lispector, Crônicas no Jornal do Brasil (1968).

A construção desta percepção advém de um árduo caminho, sendo necessário o exercício diário do autoconhecimento e, acompanhado deste, da autocrítica.

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Eu, por exemplo, para várias situações, estou longe de ultrapassar o portal da maturidade e alcançar a consciência necessária para mudança de comportamento. Todavia (e graças a Deus por isso) existem outras vivências que podem nos direcionar para melhorias e evolução. No caso relatado por mim, o sentimento de constrangimento contribuiu para que eu, a partir do dia relatado, respeitasse as regras locais e entendesse que aquele tipo de infração era inaceitável. Eu usei inicialmente a palavra “respeito” porque eu preciso que vocês entendam que a situação experienciada nada teve a ver com o conhecimento. Tudo o que o fiscal do aeroporto disse a respeito dos transtornos da inserção de um fruto exótico poderia ocasionar, pela minha formação acadêmica, eu já sabia, mas mesmo assim, ignorei. Infringi. Desrespeitei. 

E pode-se enfatizar ainda que outros dois sentimentos estão atrelados a mudança. O medo e a dor, muitas vezes relacionados as possíveis consequências que teríamos que enfrentar a partir das nossas condutas e consequentemente aos julgamentos internos e externos.

Agora eu pergunto: dentre os sentimentos descritos aqui (consciência plena, constrangimento, medo e dor), para você qual sentimento é capaz de te impulsionar a realizar mudanças necessárias na sua vida?

Rafaella Albuquerque