Quanto vale uma vida?

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Imediatamente, pensamos que uma vida não tem preço, claro. Concordo plenamente. Entretanto, algumas decisões na área da saúde permeiam pela necessidade, em inúmeras vezes (para não dizer todas), de mensuração de custos. 

Qual medida de prevenção tem o maior custo benefício?

É mais barato prevenirmos ou tratarmos uma pessoa que venha a adoecer?

Será que a cobertura do acesso ao serviço de saúde seria ampliada se adotássemos um tratamento com mais efeitos adversos (não graves), entretanto mais barato?

Por que algumas doenças, mais raras, não são contempladas na nossa rede de saúde?

São perguntas que nos deparamos constantemente e que, na maioria das vezes, usando os conhecimentos técnicos, conseguimos responder com plenitude. Entretanto, existem situações em que esta decisão é difícil de ser tomada. 

Essa semana, em sala de aula, me perguntaram sobre a criança brasiliense que precisa tomar o remédio mais caro do mundo, que custa cerca de 12 milhões de reais. O referido remédio não está disponível no SUS, e os pais entraram em um processo judicial para ter acesso ao medicamento. Não tiveram êxito e agora estão fazendo campanha, vaquinhas, para arrecadar o dinheiro. Bom, elas me perguntaram o que eu achava sobre a decisão judicial. Estávamos durante a aula de saúde pública e eu estava falando exatamente sobre o SUS. Posso dizer claramente para vocês que não tive resposta e que continuo sem tê-la. Por isso vou relatar o que pensei, para escutar/ler um pouco o que vocês têm a dizer. 

Aqui em Brasília, este é o segundo caso da doença. Se pensarmos no número de casos, 2 em cada 3 milhões de habitantes, e no valor da medicação, 12 milhões de reais por tratamento, temos aí 24 milhões gastos com esta doença a cada 3 milhões de habitantes. Obviamente que isso é uma estimativa, mas considerando a população brasileira (211 milhões de habitantes), se a cada 1,5 milhões de habitantes tivermos 1 caso desta doença (mais uma vez uma hipótese), em 211 milhões de habitantes estimaríamos ter 140 casos desta doença. Multiplicado pelo valor do tratamento, teríamos um custo de 1,68 bilhões de reais gastos. Este valor é infinitamente superior ao orçado para garantir a sustentabilidade das medidas de prevenção e controle da Coordenação de Zoonoses e Doenças de Transmissão Vetorial, coordenação na qual eu trabalho no Ministério da Saúde. Nesta coordenação estão lotados os programas de prevenção e controle das doenças negligenciadas (tracoma, esquistossomose, filariose, oncocercose), leishmanioses, doença de Chagas, doenças provocadas por roedores (peste, hantavirose e leptospirose), doenças de transmissão alimentar, malária, dentre outras tantas doenças que acometem populações vulneráveis. 

Mas por que estamos comparando gastos?

Mais uma vez foco que o meu objetivo não é colocar preço na vida, de ninguém. 

No caso da criança, em que os pais acionaram a justiça, a concessão, caso feita, poderia comprometer a realização de outras atividades já previstas. Isso porque a judicialização da saúde consiste em garantir o acesso a saúde não previsto em orçamento, o que significa que este recurso teria que ser retirado de algum lugar, o que poderia impactar negativamente comprometendo a realização de outras atividades. 

Vê como a decisão não é totalmente simples? 

Então porque o SUS não contempla todo e qualquer caso de doença?

Esse é um ponto superinteressante e importante a ser discutido. O SUS resolve praticamente todos os problemas de saúde mais frequentes da população. A partir de indicadores entomológicos conseguimos entender o perfil epidemiológico das doenças e planejar as aquisições, estratégias e, por fim, a tomada de decisão. Então para as doenças mais frequentes, temos disponíveis testes diagnósticos para oportunizar o início do tratamento, temos leitos e equipes de profissionais especializadas. Entretanto, para doenças mais raras, que necessitam de profissionais ainda mais especializados, o SUS acaba não estando totalmente preparado para solucionar o problema de saúde. Possivelmente pela raridade do problema, o mesmo não é previsto. Quero deixar claro que isso justifica parcialmente a falta de atendimento, mas não totalmente. As nossas necessidades em termos de saúde são ilimitadas, entretanto o nosso recurso é limitado.

Mas volto a perguntar: quanto vale uma vida?

Rafaella Albuquerque

Instagram @rafaas28