Reconvexo-Nu

 

dissipo no

es-

-pa

ço-

borro a matéria

|| Corpo - História.

 O manto maculador que oprime as metáforas e os significados do corpo em seu estado bruto, é tecido na rédea normativa de um adestramento histórico que sufoca desejos e castra liberdade. O título da peça de Nelson Rodrigues ainda é aplicado de forma fidedigna e se faz atemporal ao sintetizar a dissimulação ideológica e comportamental que determina o que é certo e errado numa sentença moral de falsos pudores e arcaicas hipocrisias.    

Na infância nossa relação com o corpo é moldada por uma série de limitações e isolamentos. Esse cárcere territorial iniciado com zelo e sutileza, ganha mordaças mais consistentes com o passar dos anos.

Nascemos nus para imediatamente vestirmos dia após dia, muito mais que a reles carcaça.

No distanciamento do apertar de mãos, na frieza do abraço ou no toque de carinho inexistente, as relações afetivas sensoriais e imaginárias criadas com o outro e com nós mesmos, é fatalmente atravessada por uma nuvem de puritanismo que transforma mastubarção em pecado, nu artístico em pornografia, a cena de sexo de um filme em atentado violento ao pudor, prazer em perversão.

No teatro, aprendi que “um corpo é só um corpo”. E para isso, precisamos abandonar o sentido reducionista da frase e nos lançarmos na potência vulcânica que ele representa no cais de cada história.    

 

reage no

es-

-pas

mo-

de um sofrer lírico e profundo

 

|| Um Corpo, Mil Olhares.

 Do passado, os corpos encarcerados perambulam cegos na trincheira de ávidos olhares. Piadas infames, gargalhadas histéricas nas aulas de educação física, as não idas à praia, o assédio moral e cívico constrangedor do alistamento militar. A sociedade cultua a perfeição e demarca cada corpo num ferrete seletivo de preconceitos e fobias.  

A desconstrução é um ato implosivo e a estetyka dos padrões só vira escombro quando nos permitimos enxergar as substâncias que constituem nosso ser por um prisma de subjetiva excentricidade. Ao quebrarmos esse espelho que aprisiona nossa imagem no falsete ilusório de uma projeção idealizada, descolonizamos tudo que nos silencia e nos impede de flutuar na etérea divindade de sermos aquilo que somos.  

 Solto na gravidade inexata.

Salto meu corpo no mundo.

 || Pina: Corpo - Fluxo - Frame.

Lá atrás, fui apresentado a Pina Bausch, por intermédio de Almodóvar, no seu filme Fale com Ela (2002). No fragmento da película nos falamos pela primeira vez e sob o efeito hipnótico de cada movimento me deixei cadenci-ar. Agora, nas entranhas do acaso, após regressar nas suas cores, elucubrei sobre ela como na fumaça de um café por inteiro.

 Contemplá-la em sua plenitude me fez pensar sobre o corpo que habitamos e como essa ocupação oblíqua está diretamente vinculada ao seu convívio com a órbita ao redor. À medida como o compreendemos, consequentemente, aceitamos sua corporeidade com outras vibrações no infinito vai-vem existencial.    

 

no livre rodopiar de um devaneio noturno caloroso de Shakespeare

olhos fechados,

braços estendidos,

a delgada linha entre a recepção e a entrega

 Se ver nu é uma experiência semelhante ao deslocamento entre o espírito e a matéria. É como dormir, sentir aquele organismo invisível alçar voo, fintar os olhos na sua superfície e se reconhecer na fragilidade, na fortaleza, no desprendimento e na aceitação.

 

 Continuemos a hablar...

Felipe Ferreira

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